A sua morte foi registada em directo; a não ser que — à semelhança de No Palácio do Fim de Martin Amis — Senad el Sadýk el Ureybi — o rebelde líbio que disse perante as câmaras não lhe agradar “a ideia de ele ser capturado vivo” e daí ter-lhe dado dois tiros, “um na cabeça, outro no peito” — se tenha enganado no alvo e atingido tão-só um sósia.
Não vi o vídeo e para o caso tanto faz. Não vi, como não vi o da criança chinesa atropelada, do enforcamento de Saddam ou da decapitação de Daniel Pearl. Em jovem assisti, por militância cultural, a 120 Dias de Sodoma de Pier Paolo Pasoloni. Enouhg is enough.
Leio agora que foram divulgadas mais imagens dos últimos momentos do alucinado, que apenas acrescentam crueldade à crueldade. Entretanto, o Ocidente festejou a queda do ditador — um “líder carismático”, nas palavras de José Sócrates (convidado de honra do 41º aniversário da revolução líbia), que ainda em finais de 2007 acampava no Forte de São Julião da Barra, era recebido com pompa pelo governo português e até dava “aulas” sobre os “Problemas da Sociedade Contemporânea” na reitoria da Universidade Clássica de Lisboa.
Não se pense, porém, que a hipocrisia foi exclusivo da “diplomacia económica” de Sócrates/Amado.
Aznar,González, Prodi, Berlusconi, Sarkozy, Putin, Barroso, Lula, Chávez, Fidel, Condoleezza Rice, Obama… nenhum faltou ao beija-mão. A alguns narizes, o smell do petróleo cheira melhor que o nº 5 da Chanel.
A indiferença com que reagiram à ignomínia do assassínio do homem diz bem do novo paradigma que assinala o caminho do declínio: em vez das públicas virtudes, Estado de Direito e tal, acção directa, no caso, versão kiss, kiss, bang, bang.
É o regresso ao Far West, mas sem bons — só feios e maus.
A indiferença com que reagiram à ignomínia do assassínio do homem diz bem do novo paradigma que assinala o caminho do declínio: em vez das públicas virtudes, Estado de Direito e tal, acção directa, no caso, versão kiss, kiss, bang, bang.
É o regresso ao Far West, mas sem bons — só feios e maus.
Citando Cavafy, o poeta que não conheceu Kadhafi: “E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros? Essa gente, mesmo assim, era uma solução”.
5 comentários:
Congratulo-me que tenha citado o verso de Cavafy que, desde o início, constitui a epígrafe do meu blogue.
Cavafy, uma dos maiores poetas universais do século XX.
Ana Cristina, penso que as líbias subscrevem as palavras de Cavafy.
Os bárbaros de quem falaram Coetzee e Cavafy, entre outros, não vão chegar. Sempre cá estiveram. Com outras vestes, outras maquilhagens, outras aparências que os fazem parecer humanos. Não há revolta que baste para combater a ignomínia, a degradação e a hipocrisia de uma humanidade (que palavra tão falsa), a reboque do poder, dos mídia e da indiferença universal de maiorias palradoras ou silenciosas cuja alma é mais ínfima que a dos cães. Poucos se importam com crimes, crueldades ou atrocidades sejam de quem for. A vidinha dos que passam ao lado tem a dimensão das suas carteiras, dos seus egos frívolos ou das suas panças. Perante o triunfo avassalador dos porcos, resta-nos o nojo.
Pois, os bárbaros brutos e os lapidados, estes mais funestos nas "subtilezas".
Um dos responsáveis líbios saídos da revolução disse que teriam preferido capturar Kadhafi vivo, mas que, se aconteceu assim, foi a vontade de Deus.
Começa a ser difícil distinguir os novos e os velhos senhores de Tripoli.
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