16/05/11

Evolução

Na Roma antiga, o Coliseu lá do sítio organizava espectáculos que, por vezes, se mantinham em cartaz mais de um trimestre. Os seus actores costumavam durar bastante menos.

Um programa típico organizava-se assim: de manhã, combate entre animais exóticos, de bom porte e quanto mais ferozes melhor; a hora do almoço era reservada à execução de prisioneiros; à tarde chegavam os gladiadores que lutavam entre si até um deles ficar sem cabeça. Tudo cenas para homens de barba rija, mesmo se as mulheres também podiam assistir, embora, a partir de determinada altura, em zonas reservadas apenas ao sexo fraco. Os espectáculos no Coliseu terminaram em 523, por serem considerados bárbaros, mas, durante séculos, a “caça às bruxas e aos hereges” (com as suas fogueiras a céu aberto) continuaria a animar as turbas sedentas de recreação.

O advento da televisão veio alterar tudo isto. A violência passou a ser servida a frio a qualquer momento do dia (com incidência ao jantar), editada por profissionais e mediada pela passagem do tempo: o morto do ecrã não é morto – ali – na hora. E este intervalo tornou-se, entre outras coisas, num elemento facilitador das digestões de quem assiste às notícias enquanto trinca.

Guerras mais recentes (Golfo, Iraque, etc.) optaram por um estilo mais gráfico, gerando imagens que mais pareciam saídas de um jogo de computador com muito poucos cadáveres, chamados agora “danos colaterais”. Estávamos neste ponto, quando as gravações por telemóvel voltaram a alterar tudo outra vez. É o massacre na escola registado por uma vizinha, é o óbito de um ditador difundido em pormenor, é a bebedeira de um estilista a servir de justa causa para o seu despedimento.

“O meio é a mensagem”, abreviou McLuhan nos idos de 60. Seja qual for o meio, uma questão me encanita: quanta violência conseguirá um humano visualizar sem que se lhe fechem as pálpebras e dispare o neurónio da compaixão? E é aqui que entra Elliot: “Vai, vai, vai, disse a ave: o género humano/ Não pode suportar muita realidade”.