19/05/11

A book a day keeps the doctor away: "A Humilhação", Philip Roth

Do último representante do romance clássico norte-americano — assim se poderia definir (um pouco genérica e pomposamente, é certo) Philip Roth — foi há pouco publicado entre nós A Humilhação, texto datado de 2009. Depois disso, Roth já deu à estampa Nemesis e acaba de receber (há um dia) o prémio Man Booker Internacional 2011.
A Humilhação é, como a maioria dos seus trabalhos mais recentes, um texto curto. Uma novela. Uma história contada em poucas páginas totalmente centrada no seu protagonista, Simon Axler, actor sexagenário que, de súbito, se vê desprovido de talento e incapaz de subir ao palco: “Em vez da certeza de que ia ser espantoso, sabia que ia fracassar. Aconteceu três vezes seguidas e, na última, já ninguém estava interessado, ninguém apareceu. Não conseguia chegar ao público. O seu talento estava morto”.
Velhice, sexo, dinheiro, fama — temas caros a Roth — conduzem a acção que, neste caso, se constrói como uma sucessão de cenas expurgadas de acessórios. A América está lá, mas filtrada pelas personagens que valem por si, quase sem enquadramento.
A recepção crítica a A Humilhação não foi muita boa, para não dizer que foi má. O escritor viu-se acusado de ter perdido fôlego, de ter publicado um trabalho esquemático, quiçá programático. Uma banal fantasia sexual masculina travestida de ficção.
No “Guardian”, William Skidelsky (que também se dedica à gastronomia) chegou a aconselhá-lo a sair um pouco mais de casa (o que me pareceu descabido, a não ser que Skidelsky estivesse a referir-se a comer mais vezes fora).
O livro é muito bom e, sobretudo, tremendamente simples. Conciso. Preciso. Como sempre, claro, expurgado de matéria adiposa, seco, irónico e implacável: os bons sentimentos não fazem a boa literatura, muito menos a do autor de Pastoral Americana.
A tantas vezes invocada “misoginia” de Roth não deve ter ajudado. Após uma passagem voluntária por um hospital psiquiátrico (momento ficcional em que se desanca numa série de lugares-comuns ligada às contextualizações psicológicas: “Uma pessoa chega a um ponto de desespero em que tenta tudo para explicar o que lhe está a acontecer, mesmo que saiba que isso não explica coisa nenhuma e que as explicações falhadas se sucedem”), Axler pensa ter encontrado a salvação na relação amorosa que inicia com Pegeen, a filha de um casal de actores amigo, agora com quarenta anos e um passado de lésbica.
Humilhado pela debandada inexplicável do seu talento no início — o que acarretaria o fim do seu casamento com Victoria —, o velho actor é humilhado de novo no final, ao ser abandonado por Pegeen, a maria-rapaz que o seu dinheiro havia conseguido transformar numa boneca de luxo: “O que estava a fazer era apenas a ajudar Pegeen a ser uma mulher que ele desejasse, em vez de uma mulher que outra mulher desejasse”. Mas a fantasia masculina de converter uma lésbia aos prazeres da heterossexualidade terminará num pesadelo de vexame e solidão. Por fim, numa tragédia.
A salvação mostra-se impossível, como bem o prova o comportamento radical de Sybil Van Buren, doente psiquiátrica que se cruza com Axler no início da novela (mãe de Alison, uma menina molestada pelo próprio pai) e que se mostra incapaz de lidar com o sucedido até encontrar a solução final, inesperada e desesperada. E é nessa personagem secundária, franzina e frágil, que parece residir a chave de A Humilhação: como se qualquer tentativa de suprir o sofrimento apenas servisse para o reproduzir — “o que vai ser o sofrimento de Alison”, pergunta-se depois de Alison ter sido vingada.
Hipótese de recurso? A de transformar a dor em arte; fingir representar, por exemplo, uma peça de Tchekov.

Philip Roth, A Humilhação, D. Quixote, 2011

1 comentário:

Luis M. Jorge disse...

Olha que bom, já me poupou o trabalhinho. Vou linkar.