26/08/09

A book a day keeps the doctor away

Não garanto a afirmação de Harold Bloom, inserida na contracapa, de que Hadji-Murat é "a melhor história do mundo", ou sequer que é "pelo menos a melhor que eu li até hoje". Mas, claro, é Tolstói. E dizer isto é dizer já quase tudo.
A novela, que leva o nome de um herói (real) do Cáucaso que, durante o reinado do czar Nicolau I, enfrentou a invasão dos exércitos russos, foi publicada postumamente e terá sido a última coisa escrita por Lev Tolstói. Retoma as aventuras e desventuras do resistente homónimo muçulmano, contando-nos as suas desavenças com outros guerreiros caucasianos, a sua tentativa para salvar a família e a sua aliança improvável com os invasores. O confronto entre dois mundos e duas culturas em cenário de guerra (ainda hoje absolutamente actual na Tchetchénia) é o pano de fundo da história narrada, convidado o leitor a escutá-la na "Introdução": "Então, lembrei-me de uma história caucasiana que em parte testemunhei, em parte ouvi contar por outros, e o resto fantasiei. Esta história, tal como se formou na minha memória e imaginação, é a que relato a seguir."
Começa, então, o encantamento (só interrompido pela necessidade de consultar as notas de tradução, que teria sido mais simpático colocar em rodapé de página e não no final do volume...), encantamento reforçado pelo estilo próximo da oralidade, pelas tergiversações que vão, aqui e ali, interrompendo a construção da obra (que nada tem de linear) e, sobretudo, pelo pacto narrativo que vamos estabelecendo com o livro e que nos coloca, a nós, leitores, pelo menos momentaneamente, nesse limbo de inocência e entrega sem o qual a leitura deixa de ser prazer para se transformar em mero esforço.
Hadji-Murat lê-se como um livro de aventuras. É um livro de aventuras. O destino (trágico) do protagonista vai-se desenrolando subtilmente à nossa frente, enriquecido por toda uma plêiade de personagens, pinceladas naquele jeito realista que torna qualquer obra de Tolstói num quadro a transbordar de vida. E a simpatia assumida do russo pelo seu herói fora-da-lei (o que levaria, aliás, o livro a ter problemas vários com a censura), descrito não como um bárbaro primitivo mas como um corajoso insurrecto, confirma aquele traço único de Tolstói, sempre capaz de nos seduzir pela bondade.

Lev Tolstói, Hadji-Murat, Relógio D'Água, 2009

1 comentário:

fallorca disse...

Tomei nota, oh «encardida», fiufiu...