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Como sempre em Murdoch, a acção alia-se à reflexão. Neste livro que vai buscar título a Hamlet (peça e personagem presentes em alguns momentos-chave do romance), a escritora irlandesa (1919-1999) leva longe o cruzamento entre os dois planos. O próprio Bradley, enquanto protagonista e narrador, vai intercalando os acontecimentos com as suas observações, escritas no caso a posteriori, já que tudo o que nos é narrado teve lugar no passado. Mas não só ele. Em quatro posfácios, assinados por quatro das personagens, outras tantas visões nos desconcertam, confrontando-nos com a pergunta: o que é a verdade?
Eros e Thanatos jogam aqui ao gato e ao rato, e mesmo se o rato ganha aparentemente a partida, a serenidade final de Bradley permite-nos pensar que a redenção é possível. Assumidamente platónica, Murdoch crê no amor como caminho para o conhecimento (e o verdadeiro conhecimento é necessariamente bom…). Não o encara, contudo, como expressão beatífica que nos conduziria para fora do mundo (embora Bradley se encontre, de certa maneira, fora do mundo); ao invés, ele é condição de aproximação aos outros. Uma aproximação cheia de escolhos, mal-entendidos e sofrimento; mas sem os outros seria fácil ser bom. E como ser bom, é a interrogação ontológica radical que trespassa toda a obra de Iris Murdoch. Colocada, claro, com ironia e recorrendo a personagens a quem gostamos de tratar pelo nome. Um grande livro.
Iris Murdoch, O Príncipe Negro, Relógio d’Água, 2008
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