15/07/07

E por falar em viagens

Que vergonha, rapazes! Nós pràqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no «diz que»
e a desnalgar a fêmea («Vist'? Viii!)

Que miséria, meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar a quarta invasão francesa.

Desejo recalcado, com certeza...
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(«O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!»)
e desabafo: - Ó Roque, com franqueza:

Você nunca quis ver noutros países?
- Bem queria, Sr. O'Neill! E... as varizes?
Que vergonha, rapazes!, poema de Alexandre O'Neill

11 comentários:

Anónimo disse...

«Há alguns anos - não interessa quantos - achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira, e sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas. É uma maneira que eu tenho de afugentar o tédio e de normalizar a circulação. Sempre que sinto um sabor a fel na boca; sempre que a minha alma se transforma num Novembro brumoso e húmido; sempre que dou por mim a parar diante de agências funerárias e a marchar na esteira dos funerais que cruzam o meu caminho; e, principalmente, quando a neurastenia se apodera de mim de tal modo que preciso de todo o meu bom senso para não começar a arrancar os chapéus de todos os transeuntes que encontro na rua - percebo então que chegou a altura de voltar para o mar, tão cedo quanto possível. É uma forma de fugir ao suicídio»

Ana Cristina Leonardo disse...

«Já andei para marinheiro, mas pus óculos e fiquei em terra»

Anónimo disse...

eheheeheheh! O'Neill rules!!

Ana Cristina Leonardo disse...

of course

FerMarPin disse...

Tive muito prazer no encontro com esta fotografia do O’Neill (ele nasceu dois anos depois de mim) e com este espantoso poema. Aprendi a ler com a Cartilha Maternal de João de Deus, e mais tarde italiano com livros de Luigi Ambrosini e de Edmondo de Amicis, mas isso não me impede de ficar maravilhado com a imensidade do espaço em que O’Neill se move numa apanha estonteante de imagens díspares, frequentemente muitíssimo distanciadas entre si e que se entrechocam agressivas e dissonantes, mas que formam uma harmonia sublime.
Vamos também para o mar, Ana ? Ou bastaria que parassem de lhe chamar Crestina ?
Fernando

Ana Cristina Leonardo disse...

Fernando, o senhor tem 85 anos?! E eu a julgar que era muito antiga

FerMarPin disse...

Sim, minha querida senhora, iniciei há pouco o percurso do 86º ano da minha triste existência.
Mas aquele taxista-escritor brasileiro que a Ana Criiiistina teima em não querer ver, tem esta frase animadora numa das suas crónicas : "Certas pessoas não são velhas,são apenas jovens há mais tempo".

A crónica de Mauro Castro desta segunda-feira é assim :

Com a noite a chegar ao fim, já havia uma enorme fila de táxis junto do night-club. Ainda a dormitar no interior dos carros, os taxistas aguardavam os clientes, que já não iriam tardar muito.
No interior a festa estava a terminar quando dois rapazes embriagados desentenderam-se com uma jovem e entre palavras azedas e empurrões a jovem ficou com o cabelo todo encharcado, com a cerveja que os desaustinados lhe atiraram. O tumulto só findou quando dois brutamontes, seguranças do night-club, agarraram pelos pescoços os rapazes bêbados e atiraram com eles para a rua.
Humilhados e furiosos, os dois moços juraram vingança.
Entretanto a festa já tinha acabado para a menina. Depois de serenados os ânimos ela viu que estava na hora de se ir embora. Mas mal tinha posto os pés na rua foi abraçada e puxada novamente para o interior pelos seguranças de serviço. Os rapazotes que haviam sido expulsos estavam a aproximar-se de carro, a alta velocidade, disparando na direcção dos seguranças. A fachada do night-club ficou cravejada de balas.
Mal os desordeiros desapareceram sem parar e a coisa acalmou na rua, a menina saiu correndo desesperada, na direcção do primeiro táxi da fila. Entrou rapidamente, a gritar, num estado de grande excitação. O taxista nem sequer se moveu. Não parecia preocupado, no meio de tanta confusão. Quando a menina o sacudiu pelo ombro, ele desmoronou-se sobre o volante.
Agora em estado de choque a jovem não conseguia abrir a porta do carro. Apenas soluçava e gritava. Os seus gritos e a buzina pressionada pelo corpo sem vida do taxista voltaram a encher a noite de pânico.
Depois daquela noite esta jovem não terá vontade de voltar a entrar num táxi. A visão da têmpora do taxista perfurada por uma bala irá acompanhá-la durante o resto da sua vida.
MAURO CASTRO

Ana Cristina Leonardo disse...

Caro senhor, permita-me duvidar de que seja jovem há tanto tempo! Mas isso tb. não tem importância nenhuma... E quem lhe disse que já não fui espreitar o Mauro Castro? A despropósito, já arranjou o Je me souviens do Perec? Havia uma versão audio fantástica dita em palco por Sami Frey sentado numa bicicleta. Infelizmente oferecia-a num momento raro de generosidade e fiquei sem ela. Tinha-a comprado na antiga Livraria Francesa de Lisboa, que se mudou entretanto para o Instituto Franco Português

FerMarPin disse...

Prezada senhora
Tenho abusado enormemente deste espaço e de maneira agarotada. Já deveria ter recebido um puxão de orelhas da sua parte. Admiro-a. Não vou continuar. Este gosto pela comunicação vem desde os 16 anos, quando em 1938 comecei a corresponder-me com a Margaret Robertson(minha pen-friend), a viver em Burnley, no Lancshire, também de 16 anos, que durante a guerra casou-se tornando-se Margaret Spence, que depois foi tendo alternadamente um menino e um menina até chegar aos seis, que não teve mais filhos porque então o marido morreu, cancro do pulmão, deixando-a com crianças pequenas, e a nossa correspondencia nunca teve interrupção, até que ela faleceu, já com todos os filhos feitos homens e mulhere, o mais velho a viver em Hong-Kong, e sem nunca nos termos encontrado ela foi uma grande amiga minha, e se a Ana Cristina visse a emoção com que estou a escrever isto não duvidaria que já completei 85 anos.
Fernando.

Ana Cristina Leonardo disse...

Prezado Fernando, a sua forma agarotada de ocupar este espaço é absolutamente encantadora. Nem se atreva a desaparecer... E os meus sentimentos pela sua beloved prima que, imagino, terá sido uma mulher extraordinária.

Ana Cristina Leonardo disse...

85 ou 86? Helás, que importância tem isso quando se viaja tão longe no tempo, n'est pas?