«(...) com quem trocar dois dedos de conversa sobre o pus dos livros quando já se foram Jorge Fallorca (“Decorrido meio século de existência, li e escrevi o suficiente para considerar a escrita – como qualquer outro acto criador – antropófaga até à vileza”, in Longe do Mundo, 2004), Juvenal Garcês (e os nossos diálogos que tanto versavam a genialidade de Ibsen como a mediocridade dos caciques culturais, sem esquecer a superioridade inquestionável das bananas da Madeira), Rui Martiniano, que conheci como Rui “Bancário” para reencontrá-lo no acaso das ruas de Lisboa, tantos anos passados e era ontem, editor da Hiena e tão minoritário como sempre fora, Francisco Brás, o meu vizinho actor motorizado, admirador incondicional de Mário Viegas com quem trabalhou e antagonista encartado do pedantismo, ou toda a outra gente morta ou em silêncio, aqui ou nas cidades, as trincheiras a abarrotar de equívocos e vaidades?
Mentiria, portanto, se dissesse que não há velhos intragáveis no monte. Pelo menos um teria sido membro das SS se a geografia e a época o permitissem. Dito isto, falamos de litígios aceitáveis, de discórdias compreensíveis. Há sentimentos e há ressentimentos. O habitual. Nada, porém, a que se possa chamar realmente odioso, no sentido exacto do termo. E mesmo não se conseguindo definir com precisão o “sentido exacto do termo”, não tenho dúvidas de que muitas palavras foram sendo sujeitas a uma banalização do sentido, a ponto, por exemplo, de por tanto termos gritado lobo! nos termos tornado incapazes de reconhecer um verdadeiro lobo, leia-se fascista, na hipótese, não assim tão improvável, de nos cruzarmos com um. (...)»