14/11/08

A book a day keeps the doctor away

A crítica está para a arte como o bufo está para o soldado; e o que se segue não é, naturalmente, uma crítica. A primeira proposição roubei-a grosseiramente a Gustave Flaubert (1821-1880) ― «On fait de la critique quand on ne peut pas faire de l'art, de même qu'on se met mouchard quand on ne peut pas être soldat» ―, a segunda serve de justificação a esta curta nota: porque acaba de ser reeditado A Educação Sentimental, um daqueles livros obrigatórios se fosse o caso de embarcarmos para uma ilha.
Assinado pelo maníaco do «mot juste», dessa obra diria Eça de Queiroz: «Na Educação Sentimental, [Flaubert] concebe esta ideia de génio: pintar numa larga acção a fraqueza dos caracteres contemporâneos amolecidos pelo romantismo, pelo vago dissolvente das concepções filosóficas, pela falta de um princípio seguro que, penetrando a totalidade das consciências, dirija as acções; e explicar por esta efeminação das almas todas as instabilidades da nossa vida social, a desorganização do mundo moral, a indiferença e o egoísmo das naturezas, a decadência das classes médias, a dificuldade de governar a democracia...». É uma leitura de época que se mantém justíssima.
Num registo que oscila entre o lirismo e a mais pura paródia, com a paixão do jovem Frédéric Moreau por Madame Arnoux (reedição do próprio amor do jovem Flaubert por Élisa Foucault) a servir de pano de fundo a um retrato ultra-realista da época, A Educação Sentimental trata não só das ilusões amorosas, mas também das ilusões políticas. Deixando aquele lastro de desencanto intemporal que Flaubert sempre soube subtrair a todo o sentimentalismo.
A Educação Sentimental, Gustave Flaubert, Relógio D’Água, 2008, trad. de João Costa [o romance pode ser lido no original a partir daqui]

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