MEDITAÇÃO NA PASTELARIA
20/12/24
MEDITAÇÃO DE SEXTA: «E os marcianos, demoram?»
«O nevoeiro que habitualmente chega apenas ao largo, subiu até à casa e adentrou-a até aos ossos.
Era como se a casa, e toda a paisagem até ao rio, se encontrasse suspensa num espaço-tempo inerte que tivesse mandado às urtigas as formas a priori da sensibilidade de Kant. Sem a luz variável que marca a duração dos dias e sem horizonte visível, confirmação de mobilidade, a casa tanto podia traduzir-se numa casa voadora de Chagall,
embora subtraída à alegria e enamoramento característicos das obras do russo, como no refúgio / ratoeira do conto "O Nevoeiro" de Stephen King.
Visão mais optimista ou mais pessimista da situação, o seu ponto de partida é rude e prosaico: não se vê um palmo à frente do nariz.
(...)
Há uma criança a caminho. De momento, contam-se apenas duas no monte. Há dias, atravessou-o um número considerável de motas ruidosas; eram motards vestidos de Pai Natal que lhes vinham trazer presentes.
Os escapes assustaram os meus cães e eu, enquanto tentava acalmá-los, perguntei-me o que pensaria, fora eu criança, desta visita antecipada do Nicolau – as renas em parte incerta substituídas por veículos potentes de duas rodas, em conformidade com o lema da iniciativa, “De carro ou de mota, pouco importa!”, curiosamente levada a cabo num concelho onde é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que apanhar uma camioneta.
Não há imaginário que resista a tanto tráfego! E depois também pensei que, paradoxalmente, é como se existisse um combate intrépido ao fantástico na infância – não vão as crianças sair traumatizadas pelos lobos maus, bruxas malvadas, frágeis princesas, etc. –, enquanto os adultos se infantilizam mais e mais, entusiastas de mensagens virtuosas, finais felizes até mesmo em Auschwitz – em suma, adultos crentes no Pai Natal.
Nada disto terá a ver com nevoeiro. (...)»
13/12/24
MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Criptomoedas, armas e bananas»
«Mas falávamos do fascínio exercido pelo dinheiro, apesar dos maus resultados que tal fascínio vem arrastando. Houve uma altura em que se citava muito uma frase atribuída aos Cris, uma etnia índia ainda hoje numerosa no Canadá: “Só quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, as pessoas perceberão que não podem comer dinheiro”.
Entretanto, a sabedoria índia foi substituída, entre outros,
pelos produtos vegan e glúten free, retiros motivacionais, pensamento positivo, couves biológicas e lançamentos de tinta contra Da Vinci e outros.
Quanto à pujança do vil metal, note-se a composição do próximo governo de Donald Trump. Nem Karl Marx – a propósito, acaba de ser lançada, pela BCF Editores, uma nova e bem bonita, há que dizê-lo, edição do "18 de Brumário de Louis Bonaparte", com tradução, notas e cronologia de João Barrento – teria sido capaz de imaginar tal concentração de capital.
No que respeita aos conflitos armados no mundo – e que estão longe de se circunscrever ao Médio Oriente ou à Ucrânia –, o que seria deles sem o enorme investimento na indústria de armamento, cada dia que passa a tornar mais reais as distopias tecnológicas, com os seus soldados exterminadores, drones e cães robots, tanto controlados remotamente como accionados pela inteligência artificial. Num futuro próximo, exércitos compostos por andróides criados à semelhança do homem não são difíceis de imaginar. Haja dinheiro para isso!
E será James Cameron ao vivo e a cores.»
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