MEDITAÇÃO DE SEXTA: «OS Deploráveis»
«(...) Há, claro, que recuar ao ALLgarve de Manuel de Pinho, essa memorável personagem da nossa história recente, perito em Almeida Garrett e em cães. É dele a frase: “Às vezes esquecemos que o cão do Presidente Obama é um cão algarvio”, embora sabendo-se que o bicho tinha nascido no Texas.
Adiante. Vendida há pouco a língua portuguesa a troco de um prato de lentilhas, impondo um Acordo Ortográfico que decapitou as consoantes mudas com excepção do agá – vá lá saber-se porquê –, o governo, então chefiado por José Sócrates, resolveu acrescentar um éle à região algarvia, na tentativa (imbecil, perdoem-me a sinceridade) de a promover melhor lá fora. Relembre-se, a talhe de foice, que mudanças toponímicas não constituíam uma novidade: já Poço de Boliqueime, a terra de Cavaco Silva, havia sido alterado para Fonte de Boliqueime, designação mais digna porque de menores ressonâncias prosaicas. Para além de ser ofensiva em si, a alteração anglicista que fazia parte da campanha Portugal, West Coast of Europe, geografia que segundo os seus promotores remetia para “associações aspiracionais” de que Hollywood ou Silicon Valley eram excelentes exemplos, libertaria o novo Allgarve da estafada associação ao Sul, resumindo-se, grosso modo, o Sul, nas palavras de Pedro Bidarra, o publicitário responsável pela campanha que custaria nove milhões de euros ao erário público, a “(…) bom tempo, calor, gente simpática, boa comida, paz, esplanadas e dolce farniente”, mas também a “subdesenvolvimento, gente pobre e iletrada, corrupção e indicadores estatísticos de miséria. (…) O Sul é o filtro que nos condena a sermos vistos como somos”, rematava para concluir forte e feio. Portanto e mais uma vez, nada de novo debaixo do sol. Se o Sul é o filtro que nos condena a sermos vistos como somos, em não podendo mudar-se o “subdesenvolvimento, (a) gente pobre e iletrada, (a) corrupção e os indicadores de miséria”, muda-se a geografia. De Sul para Oeste e está feito. E não querendo aborrecer mais o leitor com o tema árido dos pontos cardeais, vou saltar a parte em que da West Coast of Europe passámos, com o ministro Álvaro Santos Pereira, a aspirar ser a Florida da Europa que, como se sabe, fica na East Coast, ou seja, no outro lado.»
Presciente, o resultado do concurso Palavra do Ano deste ano antecipa o que nos espera neste ano político, cheio de eleições por esse mundo fora.
ResponderEliminarPodemos morrer de muita coisa, não de tédio.
https://leiturasimprovaveis.blogs.sapo.pt/concurso-palavra-do-ano-2024-45208