MEDITAÇÂO DE SEXTA: «Minhas Senhoras e Meus Senhores, Bem-vindos ao Novo Normal»
«... Embora o tempo parecesse acelerar, o presente dir-se-ia eterno.
As crises sucediam-se, é verdade, mas podia sempre ser pior — é perguntar aos imigrantes que mourejam sol a sol e nunca ouviram falar de Catarina Eufémia. Apesar dos percalços, no campo da política, não passando a extrema-direita de uma arregimentação de deploráveis, a democracia mantinha-se o farol do mundo. A modernidade tornava-se líquida, dando mais trabalho a psicólogos e pedo-psicólogos, é certo, mas os seus náufragos morriam invisíveis como se levassem os bolsos cheios de pedras. Sem demagogias, a morte tornava-se um direito e os cancros venciam-se, sem que o verbo fizesse escândalo! Entre o enfado e a rendição ao no future, mantínhamo-nos consumidores civilizados, avançados, mesmo se vagamente deprimidos.
De súbito, um vírus viera emperrar a engrenagem, mas logo a sociedade se uniu gritando a uma só voz: “Vai ficar tudo bem”. Houve mesmo quem jurasse que um vírus assim só nos podia tornar melhores: o novo normal substituiria com vantagem o velho. E estávamos quase a chegar lá quando Putin invadiu a Ucrânia. (...)»
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