Estava eu finalmente posta em sossego a ler A Zona de Desconforto de Jonathan Franzen, livro que acaba de ser publicado pela D. Quixote, quando, a páginas tantas, mais precisamente na 21, tropeço numa palavra inédita, se me permitem o eufemismo.
Já antes tivera de me esforçar para engolir "Excecionais" (em caixa alta e itálico no original, ainda por cima...), com aquele ce a ler-se naturalmente ce e não cé porque lhe guilhotinaram o p), quando, uma linhas mais à frente, dou com um "viquingue" na minha cama e eu não tinha bebido nada.
O que raio seria um viquingue?!
Ajeito os óculos e a almofada, dirigo o dedo para a palavra, soletro-a, divido-lhe as sílabas, releio a frase para lhe alcançar o sentido como se o livro estivesse escrito em hebraico sem marcas diacríticas, repito o exercício, gaguejo e, por fim, como a Santa Teresa d'Ávila, tenho uma iluminação: viking, porra!
Os vikings são vikings pelo menos desde os tempos em que o meu pai me ofereceu a colecção O Mundo em que Vivemos da Verbo Juvenil, ainda nem aprendíamos o K, mas, a serem outra coisa, seriam víquingues, pensei de mim para mim, lendo alto a palavra como fazia na Primária para adivinhar os acentos.
O esforço hermenêutico-ortográfico deixara-me exausta. Era tarde. Fechei o livro e apaguei a luz.
Sonhei com a Edite Estrela, o Jonathan Franzen que me perdoe.
O novo acordo ortográfico ainda vai tornar muita gente coleccionadora de livros "pré-acordo ortográfico". Já estou a imaginar, daqui a uns anos, versões piratas de livros recentes, escritas em desacordo ortográfico...
ResponderEliminarOu então à bela maneira portuguesa, acaba-se com esta palhaçada por decreto.
por decreto, ao estalo... mas acabe-se MESMO com esta palhaçada. É a choldra!
ResponderEliminarNão é inédito e já estava assim em todos os dicionários muito antes do Acordo (ou pelo menos da sua aplicação)... E se usássemos sempre a acentuação inglesa não diríamos «ésquimos»?
ResponderEliminarhttp://sol.sapo.pt/inicio/Internacional/Interior.aspx?content_id=43426
ResponderEliminaracentuação inglesa?!
ResponderEliminaranónimo, a palavra lê-se e escreve-se, se a quiser aportuguesar, o que já me parece uma parolice, víquingue.
viguingue não é nada. bom, talvez possa ser uma marca de vodeca.
e deixe lá os esquimós descansados que não nos fizeram mal nenhum.
Aliás, afinal o k já faz parte do abedecedário para quê?
Para os bancos julgarem que têm piada quando fazem publicidade dirigida aos putos?
Feliz Dia Internacional da Mulher
ResponderEliminarjá tinha visto, mas obrigada na mesma.
Parolice porquê??? «Eskimos» ou «esquimaux»... Qual é mesmo a diferença, uns deixaram de existir?
ResponderEliminarE se preferir «inuits» em vez de «esquimós», não poderemos escrever «inuítes» porque é parolo? Nem «iídiche» e apenas «yiddish»?
Acaso alguém escreve «yacht» ou «bonnet»?
«vodeca»
ResponderEliminarLOL
Ahahahahah!
ResponderEliminarCaro anónimo, estamos a desviarmo-nos do assunto.
ResponderEliminar1. viquingue não existe.
2. quanto muito, será víquingue.
3. traduzir tudo é uma cena que não me assiste, tanto mais mais que costuma dar disparate. Toda a gente sabia o que era New York, não era preciso ter passado a Nova Iorque; e, exemplo das incongruências que "nacionalizar" a língua gera, é que não há nenhuma duquesa de Iorque mas sim de York, capital do Yorkshire, região de Inglaterra onde também há uma raça de cão com o mesmo nome
4. pensar que defender a língua é aportuguesar tudo é um disparate. a prova (além do exemplo anterior): toda a gente (escolarizada) sabe o que é um Viking mas com muito mais dificuldade saberá o que é um viquingue (que, aliás, é um objecto imaginário).
5. a língua é também uso. e o que se assiste é a uns burocratas da língua que, não tendo mais nada para fazer, se entretêm a tornar estranho o que antes era claro.
6. finalmente, o problema estético-auditivo. boulevards é uma bonita palavra francesa; bulevardes é um vocábulo de que qualquer leitor não surdo terá de fugir a sete pés. Além disso, porquê impedir as pessoas de saberem umas palavras em estrangeiro? Sempre é melhor do que nada, não acha?
Cara ACL, explicando o assunto.
ResponderEliminarEnquanto detractor do acordo (inútil, imbecil e incompreensível), desgosta-me sempre que os meus pares misturem alhos com bugalhos.
O «aportuguesamento» da palavra viking não tem rigorosamente nada a ver com o dito acordo, tal como não têm as diferenças lexicais sanitárias de quem não se sentia com competências para escrever sobre o dito (são mais uma razão para ele ser inútil, não a principal, mas não têm a ver com ortografia).
«Viquingue» existe: está em dois ou três ou quatro (ou mais) dicionários assim grafado, sem acento, em dezenas ou centenas de livros e em centenas ou milhares de artigos de jornal. Alguns dicionários optam por «víquingue», por exemplo no Brasil, outros acolhem as duas.
Se não gostou do exemplo dos eskimos, nem do yiddish, tem a palavra «lemming», que em Portugal é geralmente grafada como «lemingue» e no Brasil também como «lêmingue» (?). Poderemos talvez ter três, à força, acrescentando-lhe o lémingue por questões estético-auditivas.
Nada impede as pessoas de saberem umas palavras em estrangeiro, mas nada impediu que não lembre hoje a ninguém escrever «yacht» ou «dock» (doca), nem que se passe a escrever London ou München.
Yacht é uma tão linda palavra, com o y a fazer lembrar a quilha do barco e aquele «ch» mesmo a soar ao vento a chiar contra as velas...
Podemos ter preferências, mas há opções válidas que podem ser bem aplicadas. Ou não?
É gralha de desatenção: «quanto muito» não existe, pois não?
ResponderEliminarCaro anónimo, já que me remete para dicionários, "quanto muito" surge como equivalente a "quando muito" no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências (Verbo, 2001). Mas estou sempre disposta a aprender (viquingues é que santa paciência... e devo ser eu que leio pouco ou nada porque nunca tropecei nesses dois ou três ou quatro (ou mais) dicionários, dezenas ou centenas de livros e em centenas ou milhares de artigos de jornal onde eles aparecem).
ResponderEliminarQuanto ao resto, acho que estamos a partir pedra... talvez lá para os lados do Yorkshire.
Que nunca seja atacado por um iate de viquingues é o que lhe desejo.
Sobre a Edite Estrela (novo Acordo e tal): eu sei que não é ela a responsável pelo desaparecimento dos guerreiros nórdicos.
Eu sei que aparece, era uma provocação propositada: consta que é o único a acolher como válido o erro instituído e reiterado (enfim, há quem diga que é para isso que também servem os dicionários, e eu tendo a concordar).
ResponderEliminarÉ o célebre «Dicionário Malaca Casteleiro», ele sim responsável pelo AO86-90, porventura mais do que a Edite Estrela? Que é também um dos poucos que não traz (pois não?) nem «viquingue» nem «víquingue», apesar de se ter posto a aportuguesar tudo o que era bicho careta?
Cara Ana, imagine que li ontem futebol, em vez de foot ball. Isto está que não se pode. Vou a London passar a saison.
ResponderEliminarAnónimo, as provocações, e ainda para mais propositadas, são sempre bem acolhidas aqui no tasco. Já os viquingues, terão de ter paciência e ir bater à porta de outro estabelecimento. Que Deus os guie a bom porto e a si também.
ResponderEliminarCaríssimo Visconde, se der um salto a Iorquexaire e encontrar a Sarah mande-lhe bestes rigardes da minha parte...
e perdoe-me a inusitada vírgula entre viquingues e terão. a culpa é da língua dos bulevardes.
ResponderEliminar"viquingue", além de nos levar à sílaba tónica errada, leva-nos a acentuar o "gue", bem à portuguesa, que soa horrível, já que o "g" original é quase mudo e assim é que fica bem. «lemingue» sofre do mesmo problema.
ResponderEliminarSonhar com a Edite Estrela? Lagarto...
Isso não são sonhos, são pesadelos.
ResponderEliminarHey Hey Vikie Hey... não sei como seria agora.
ResponderEliminarA tradução, aportuguesamento - ou não - das palavras reflecte algum cosmopolitismo - que o temos - e uma saudável falta de nacionalismo (patriotismo é outra coisa).
ResponderEliminarIndica, também, algum acesso à fonte original. Por isso, afrancesados que éramos, dizemos e escrevemos - salvo os "acorditas" - dossier, como os ingleses, norte-americanos ou alemães e não o ridículo «dossiê», pobrete e pretensioso.
Quanto ao «acordo ortográfico», deve ser denunciado internacionalmente como aquilo que é: um crime cultural digno de staline, perpetrado pelo estado contra a cultura do país.
Benditos anos de habituação ao NAO, pois são um balão de oxigénio onde ainda podemos escrever de acordo com as velhas boas regras. Deviam ser 1000 anos. “Seis anos inteiros” diz Edite Estrela. Mas será que podiam ser seis anos pela metade, ou pelos três quartos? Era bom que depois viesse um longo período de desintoxicação daquela droga, em que os “viquingues” passassem novamente a ser vikings, e o “Egito”, Egipto, e os “espetadores” espectadores, e os anos “letivos” lectivos e assim sucessivamente… Reencontraríamos novamente o nosso mundo.
ResponderEliminarJá não bastava termos de viver sob o horror económico, para termos agora de viver também sob o horror ortográfico, imposto por gente iluminada e por interesses económicos.
AMCD, como diria o Luís M. Jorge do Vida Breve, venha a meus braços!
ResponderEliminar:-)
Este seu "tasco" é viciante, Ana Cristina. Estou a vir cada vez mais aqui, às vezes a horas impróprias, o que denota "habituação". Rio cada vez mais o que, poderá ser um sintoma alarmante. Acho que vou inscrever-me nos alcoólicos anónimos...
ResponderEliminarjm
Mas compra livros escritos em «acordês» em português mutilado?
ResponderEliminarAlimenta esta gente?
Livro em acordês, não se compra - e nunca se deve perder a oportunidade para dizer porquê.
A Amazon.uk tem entrega grátis em Portugal, demora 48 horas.
«com aquele ce a ler-se naturalmente ce e não cé porque lhe guilhotinaram o p)»
ResponderEliminarTrata-se de um argumento que carece de demonstração, pois eu continuo a ler naturalmente cé. Contra o acordo? Sim, mas por outras razões e confusões... :-)
jm, passe sempre; estamos abertos 24h; aqui não há horas impróprias e ainda não cobramos taxes. aceitamos aditivos.
ResponderEliminaranónimo, escrevo sobre livros; se não for eu a lê-los...
rui, naturalmente uma ova. aqui não há nada de natural (na língua, digo). as consoantes mudas servem-nos justamente para abrir as vogais (são uma espécie de acento, além de nos remeterem tb. para a origem das palavras o que, já agora, tb. ajuda muito). lês excepcionais - ou seja, abres o "e" porque está lá o p. experimenta pôr um puto a ler a palavra excecionais e vais ver se não fecha o "e". e ainda dizem que o AO facilita a aprendizagem.
"Hey Hey Vikie Hey... não sei como seria agora."
ResponderEliminarAgora, teria de cantar assim
Olá olá Viquie Olá.
"Por isso, afrancesados que éramos, dizemos e escrevemos - salvo os "acorditas" - dossier, como os ingleses, norte-americanos ou alemães e não o ridículo «dossiê», pobrete e pretensioso."
É verdade, passamos a dizer dossiê em vez de dossier por causa do acordo...
Como diz o AMCD, The Horror, The Horror...
Foi precisamente por já ter feito essa experiência que não fiquei convencido. Cada cabeça sua sentença. Ainda assim, não consigo entender como é que a Ana, sendo tão afincadamente contra o AO(e, para mim, ser contra é uma virtude), escreve para o semanário Expresso de acordo com as novas regras, na medida em que parece não estar obrigada a fazê-lo...
ResponderEliminarRui, essa coisa das consoantes mudas está muito bem explicada no youtube, e até em pronúncia portuguesa..., pelo brasileiro Antônio Houaiss, um dos mentores do acordo (paradoxos)
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=DQUj4BvD9Gc
Quanto ao expresso; eu não escrevo em "acordês" nem nunca mo pediram, lá editam, mas, de facto, considero a hipótese de tb. pôr aquela coisinha da ortografia antiga. Agora, no meu caso, é um pouco esquizóide - ortografia antiga enquanto cronista e ortogafia modernaça enquanto crítica... Enfim. Nas traduções que faço, é a mesma coisa. Ninguém me pede a nova ortografia, mas depois editam...
Visconde, escreve-nos de London? Que desperdício de tempo, numa cidade tão cheia de coisas interessantes para ver e fazer...