[Chama-se esta pérola "Amor Burguês"]
«Havemos de engordar juntos.
Normalmente, toda a gente está demasiado preocupada em colocar a barra que diz "cliente seguinte", estão ansiosos, nervosos, têm medo que aquele que está à frente lhes leve os iogurtes, têm medo de pagar o fiambre daquele que está atrás. Enquanto não marcam essa divisão, não descansam. Depois, não descansam também, inventam outras maneiras de distrair-se. É por isso que poucos chegam a aperceber-se de que a verdadeira imagem do amor acontece na caixa do supermercado, naqueles minutos em que um está a pôr as compras no tapete rolante e, na outra ponta, o outro está a guardá-las nos sacos.
As canções e os poemas ignoram isto. Repetem campos, montanhas, praias, falésias, jardins, love, love, love, mas esse momento específico, na caixa do supermercado, tão justo e tão certo, é ignorado ostensivamente por todos os cantores e poetas românticos do mundo. Bem sei que há a crueza das lâmpadas fluorescentes, há o barulho das caixas registadoras, pim-pim-pim, há o barulho das moedas a caírem nas gavetas de plástico, há a musiquinha e os altifalantes: responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12, responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12; mas tudo isso, à volta, num plano secundário, só deveria servir para elevar mais ainda a grandeza nuclear desse momento.
É muito fácil confundir o banal com o precioso quando surgem simultâneos e quase sobrepostos. Essa é uma das mil razões que confirma a necessidade da experiência. Viver é muito diferente de ver viver. Ou seja, quando se está ao longe e se vê um casal na caixa do supermercado a dividir tarefas, há a possibilidade de se ser snob, crítico literário; quando se é parte desse casal, essa possibilidade não existe. Pelas mãos passam-nos as compras que escolhemos uma a uma e os instantes futuros que imaginámos durante essa escolha: quando estivermos a jantar, a tomar o pequeno-almoço, quando estivermos a pôr roupa suja na máquina, quando a outra pessoa estiver a lavar os dentes ou quando estivermos a lavar os dentes juntos, reflectidos pelo mesmo espelho, com a boca cheia de pasta de dentes, a comunicar por palavras de sílabas imperfeitas, como se tivéssemos uma deficiência na fala.
Ter alguém que saiba o pin do nosso cartão multibanco é um descanso na alma. Essa tranquilidade faz falta, abranda a velocidade do tempo para o nosso ritmo pessoal. É incompreensível que ninguém a cante.»
(...)
*Não vá aparecer gente ao engano
Pode mandar vir o cliente seguinte?
ResponderEliminarExcelente texto. Fui ver a continuação, que infelizmente me diz mais, no momento... Obrigada pela divulgação deste texto :)
ResponderEliminar«Normalmente, toda a gente está demasiado preocupada em colocar a barra que diz "cliente seguinte", estão ansiosos, nervosos, têm medo que aquele que está à frente lhes leve os iogurtes, têm medo de pagar o fiambre daquele que está atrás. Enquanto não marcam essa divisão, não descansam. Depois, não descansam também, inventam outras maneiras de distrair-se. É por isso que poucos chegam a aperceber-se de que a verdadeira imagem do amor acontece na caixa do supermercado, naqueles minutos em que um está a pôr as compras no tapete rolante e, na outra ponta, o outro está a guardá-las nos sacos.»
ResponderEliminarPior que um Peixoto só um Peixoto à Pingo Doce.
... e
ResponderEliminarTer alguém que saiba o pin do nosso cartão multibanco é um descanso na alma. ?
se o berardo o tivesse lido a tempo...
Sejamos claros: não se arranja um escritor deste gabarito facilmente...
ResponderEliminarGostei.
ResponderEliminarAliás a Marilyn Monroe ao que se sabe era intelectual por dentro e a dona do blog é-o por fora.
Portanto a diferença é, sei lá,a cor do cabelo?
Vai rapidamente ao cabeleireiro, leoparda!
ResponderEliminarAna tanta irritação com o JLP parece trica pessoal prefiro-a acima disso.
ResponderEliminar(este post já não considero serviço público só acho publico).
nem conheço o senhor de lado nenhum. absolutamente impessoal.
ResponderEliminarÉ um dos maiores escritores portugueses, o outro é o Valter Hugo Mãe.
ResponderEliminarAcho que é em minúsculas: walter hugo mãe
ResponderEliminar:-)
Era.
ResponderEliminarA partir de um momento que não posso precisar (acho que foi no Dia da Mãe)passou a usar vírgulas, parágrafos e maiúsculas e aplicou isso ao próprio nome.
Foi como uma Revelação Divina.
Charming.
José Luís Peixoto é dos maiores escritores da actualidade, e quem nunca ouvi nada sobre ele, é porque não se interessa pela literatura portuguesa. Este texto, à semelhança de muitos mais, aborda questões básicas, do nosso quotidiano, e sobre as quais nunca pensamos. Se o fizessemos conseguiamos descobrir muito significado por detrás das mesmas. Escusado será dizer que o José Luís não está a descrever apenas o que se passa num balcão de supermercado, mas sim a querer despertar-nos para que sejamos capazes de pensar para além do que ali se passa.
ResponderEliminarAproveitem e leiam algo mais deste senhor da literatura portuguesa, tenho a certeza (absoluta) que vai continuar no topo dos autores portugueses por décadas.
Um bem-haja a todos :)
sónia felgueiras, eu estou completamente desperta (apesar da hora tardia)
ResponderEliminarPois, também o Dantas, D.ª Sónia. Pode ser que apareça por aí outro Almada, e escreva uma só vez "Pim!" para «a boca cheia de pasta de dentes, a comunicar por palavras de sílabas imperfeitas, como se tivéssemos uma deficiência na fala.» Na fala ou na escrita, D.ª Sónia? Escreve que "aborda questões básicas, do nosso quotidiano, e sobre as quais nunca pensamos." E que andamos (quase) todos nós a fazer por causa da troika, senão a pensar nas questões básicas?
ResponderEliminarSe bem que pensar sobre economia seja importante, o mundo é muito mais do que isso...
ResponderEliminarMas também é muito simples meus senhores, não gostam do que José Luís Peixoto escreve, não precisam de ler, há milhares de portugueses e estrangeiros que o fazem por vocês.
Acha pois a senhora que tudo o que um escritor produz deve ser literatura, nem que sejam bilhetes à mulher-a-dias ou crónicas do dia-a-dia. Tá bem. Só que tresanda à paroquial inveja à portuguesa.
ResponderEliminarÓ Fernando Lopes, se tresanda, compre desodorizante. Não vendem na paróquia, mas acho que há no supermercado. Leia livros, esqueça o Peixoto, e se ainda assim se continuar a comover com a pieguice barata do referido, vá chatear o Camões. Ele há cada analfabeto armado em psicólogo.
ResponderEliminarSó jogos de palavras. E olhe que com toda essa raiva acumulada um psicólogo é bem capaz de lhe ser útil. Conselho de analfabeto.
ResponderEliminarPassar bem.
Não é raiva, Fernando Lopes, é mesmo só o cansaço do Campos. De qq modo, acho graça a quem vem para aqui comparar um texto (supostamente) literário com bilhetes a mulheres-a-dias ou "crónicas do dia a dia" (essa categoria escapa-me)tentando assim desculpar a indigência da coisa, faz juízos de intenções sobre alguém que não conhece de lado nenhum, no caso, eu própria, e depois manda-me ir ao psicólogo. Sabe que mais? Morra o Dantas, morra! Pim, que o Almada aquilo também era só inveja. Em jeito de despedida: vá aprender a ler e pregar para outra paróquia.
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