Desculpar-me-ão os leitores deste post o tom vagamente confessional (e, já agora, o meu gosto quiçá inflacionado pelos advérbios de modo).
Paris, uma punhalada no coração, escreveu Jack Kerouac; cito-o e subtraio-lhe a conotação poética.
Foi em Paris que me estreei no rigoroso controlo policial dos “papéis” (os Petits Papiers cantados por Gainsbourg), Barbès-Rochechouart, zona habitada maioritariamente por árabes, únicos viajantes tardios do último Metro sujeitos a identificação que a mim me gritavam sempre “Allez! Allez!”, até que uma vez fiz questão em ir para a fila, passaporte na mão, estrangeira, também eu.
Foi em Paris, aussi, que aprendi a distinguir racismo de xenofobia ao som da Linda de Suza que nesse dia não cantou. Convidada de um programa televisivo sobre emigração, falava quando o chefe de família da casa – homem de trato adorável – exclamou entre dois pinard: Estes portugueses estão em todo o lado! e, reparando depois no silêncio que se fizera à mesa, olhou para mim e sorriu: Não é contigo. Tu até podias ser francesa, cumprimento envenenado que, ainda hoje, julgo ter ficado a dever-se ao facto de gostar de camembert, cognac e falar francês sem “acento”.
Tudo isto aconteceu antes de termos lugar na Europa; éramos, então, cidadãos de segunda e emigrantes de terceira.
O meu amigo mexicano foi impedido de entrar em Espanha este mês. Destino: Madeira. Motivo: férias.
24 horas preso em Madrid, sem passaporte, sem máquina fotográfica, sem telemóvel e sem cinto das calças (apreendido). Devolvido à procedência por falta de documentação.
A saber. Reserva de hotel paga. Ok. Responsável pela estadia. Ok. Cartão de crédito. Ok.
Papéis em falta: comprovativo de depósito de 5200 euros (!) obrigatoriamente feito no México (!!), carta-convite (documento obscuro do qual as autoridades teriam de ser informadas com um mês de antecedência, de modo a poderem confirmar a sua veracidade).
Azar o dele, pois, ter nascido mexicano e sorte a minha ter nascido portuguesa (apesar de tudo, não é?).
E,para cúmulo,roubaram-lhe as malas.Tudo.Foi tratado como um criminoso,quando o seu único crime é ser sonhador e poeta como nós, os que ainda aqui andamos a remar contra as marés. Obrigado, Cristina.
ResponderEliminarMuito bom, Ana Cristina.
ResponderEliminarOh!... os advérbios de modo, essa dependência...
ResponderEliminarJosé, um abraço ao Olivério, sff
ResponderEliminarJoana, são os direitos humanos à moda da UE
João, tb tu?!
Nunca reparaste?...
ResponderEliminar"Cocorico"
ResponderEliminarSe esta onomatopeia simula o grito do coq, também é uma expressão de chauvinismo... rien ne vas plus, faites nos jeux.
João, confesso que não mas fico feliz por partilharmos essa dependência por palavras compridas
ResponderEliminarm.a.g., essa expressão lembra-me Las Vegas apesar de lá não falarem francês
Os falsos amigos, essa sub-espécie que medra na proporção directa da merda que os consome e cerca, quando chega a hora de dar a cara por um amigo, escondem-na cuidadosamente sob um manto de desculpas e cobardias. Entretanto, no seu discurso quotidiano politicamente correcto, intelectual e chique,babam-se a falar de ser solidário, cúmplice, blá, blá, blá, etc.,etc. Mas basta um post como este para descobrir-lhes a careca.Deixemo-nos de tretas. Amigos, só alguns, e cada vez menos. Ah, e os cães.Bem-hajas, ana cristina leonardo.
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