21/12/08

«Ao vencedor, as batatas»

Vou ser absolutamente pueril. E, sim, gosto de advérbios de modo. Ao invés, aborrece-me Sócrates, o primeiro-ministro. Tudo nele me aborrece. O curso, o inglês, as casas (ah, como me aborrecem as casas!), os livros que finge ter lido, os esgares, o perfil e os lugares-comuns, até os fatos me entediam de tão óbvios. E por falar em fatos abrevio: repugna-me a enfatuada ignorância.
Citando de novo esse génio do humor que dá pelo nome de Lewis Black, José Sócrates é a prova de que o americano estava universalmente certo quando disse: In my lifetime, we've gone from Eisenhower to George W. Bush. We've gone from John F. Kennedy to Al Gore. If this is evolution, I believe that in twelve years, we'll be voting for plants.
Da política tive eu, em pequenina, sem naturalmente o saber que não venho para aqui armar-me em génio, uma visão pré-maquiavélica. Resume-a muito bem J.M.Coetzee em Diário de um Mau Ano: A posição pré-maquiavélica era a da supremacia da lei moral. Se acontecesse a lei moral ser por vezes infringida, era uma infelicidade, mas no fim de contas os governantes eram apenas humanos. A nova posição, a maquiavélica, é que a infracção à lei moral se justifica quando necessária.
De Maquiavel, que era esperto, fomos andando até chegarmos às plantas que, como é fácil entender mesmo sem ter lido Kant, escapam à lei moral.
Um pragmatismo alucinado invadiu a política. A presente crise internacional, nascida disso mesmo, não teve como resultado nenhuma discussão séria. Comemos mais do mesmo. Não que eu me encontre ainda na fase anal pré-maquiavélica ou tenha qualquer ilusão sobre o «homem novo» (neste capítulo estou com o Viridiana do Buñuel). Apesar disso, as Luzes continuam a pestanejar a espaços no trapézio do meu cérebro, como diria Machado (e, já agora, diga-se que o título deste post também é do brasileiro).
Tudo isto me foi gerundicamente ocorrendo (eu avisei que gosto de advérbios de modo), após ler estas declarações de José Sócrates a respeito do próximo ano, chamado pelo próprio (ou pelos assesores de agit-prop) o «cabo das tormentas»: É preciso agir sem ortodoxia e sem ideias feitas (...) É preciso estar com a mente aberta para responder aos problemas e não para responder às necessidades da nossa ideologia. Precisamos de ter mente aberta e não ficarmos reféns da ideologia ou das respostas clássicas, porque problemas novos exigem respostas novas.
Ou seja, e sem lembrar agora a frase de Richard Dawkins: There's this thing called being so open-minded your brains drop out. Ou lembrando-a. Pronto. Esqueçamo-nos por uns segundos que o iluminado engenheiro se refere à actual crise. Façamos de conta que fala durante os heróicos tempos do boom financeiro que acabou como se sabe. Sublinhem-se as diferenças. Zero! Ideias novas? Zero. O mesmo ódio ao pensamento (entendido pejorativamente como "respostas clássicas"), a mesma crença no fim das ideologias (depois ― ou antes? ― foi ― ou fora? ― o fim da História), o mesmo credo pragmático. O paleio é decalcadinho... como decalcadinho de outras matrizes se mostra o paleio de Alegre. É o cabo das tormentas: estamos entregues às plantas.

4 comentários:

  1. Lembro-lhe o nome de um facínora que contem, o nome, um mundo de significações - Friedman... Milton Friedman.
    Lembra-se?

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  2. atão não conheço o facínora? e os chilenos ainda o conhecerão melhor

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  3. Partilhamos o mesmo entusiasmo pela criatura. É tudo plástico, senhora, é tudo plástico. E, por isso, não reciclável...

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  4. Sobre este texto, já disse em privado, proclamo em público:
    G-E-N-I-A-L!!!!!

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