20/11/08

Dois poemas com sexo e escusam de se pôr com ideias

Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás das mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meus Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade


Com Licença Poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado para mulher,
essa espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição para homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Adélia Prado

7 comentários:

  1. Três:

    A uma virgem


    Ah! tu nem sabias que a tua púbis
    tinha a exacta medida da concha
    de minha mão, nem suspeitavas
    quanto de teu seio transbordaria
    da outra que por trás te enlaçava.
    Só mal medias o espanto
    de sentires-me o hálito arfar
    em teus cabelos e em ti toda
    com que te perdeste, já rendida
    na surpresa de saberes-me
    contra a firmeza da tua carne,
    no trémulo susto da tua pele
    que há tanto tal dia esperava.

    Sussurraste ainda a medo
    não quero, sou tão nova! Mas tudo
    te era já maduro e quente
    em tua boca de sede e línguas,
    aberta como já essoutros lábios.

    Nem choraste como choram
    vãs as que perdidas se acham.
    Nem uma lágrima te caiu. Era
    apenas o suor puro e o sangue
    e teus loucos olhos líquidos
    que naquela hora e nos lençóis
    ofereceras à vida misturados,
    não por mim – bem o sabias –,
    mas por outro que em tua casa,
    daí a meses, daí a anos, todas
    as noites se deitaria a teu lado,
    cumprindo o destino de ter filhos.

    Talvez por isso tenhas dito,
    sem sorriso triste, sequer com gesto de
    fingido amor, mas de olhos seguros,
    certa quanto eu que nem haveria adeus:

    Deixa, não foi nada, não tem mal.


    Manuel Rodrigues

    ResponderEliminar
  2. Aproveito o vazio da pastelaria, para meditar na recomendação da gerente: e por que é que não nos podemos «pôr com ideias» ao ler dois - e logo dois! - poemas com ideias? O sexo (nem sempre)é idiota, mas muito idealizado também já não há pachorra.
    Agora pisgo-me antes que me entornem a bica. Fiufiufiu...

    ResponderEliminar
  3. Cristina, eu tb., mas adoro a resposta de Adélia a Drummond. E, imperdoável, eu tinha saltado um verso num final:
    «Vai ser coxo na vida é maldição para homem»
    Fica tudo dito.
    Fallorca, a mim estes poemas fazem-me rir. sexo é tema sisudo. prefiro o raimundo e o conhaque do drummond; acrescenta-lhe a vontade de alegria e os coxos da adélia

    ResponderEliminar
  4. Diria mesmo, antes os coxos da Adélia do que as coxas da Adília. Fiufiufiu...

    ResponderEliminar
  5. As mulheres feias que me perdoem. Mulher feia não devia sair da cozinha!

    ResponderEliminar
  6. anónimo, isso ainda tem menos piada do que a manuela ferreira leite a tentar ter piada

    ResponderEliminar

Pode comentar à-vontade. Em caso de comentários imbecis, pode dar-se o caso de não gostar da resposta.