chegou o momento de merecer a sua desconsideração (no fundo, no fundo, tenho um lado acesso de destemor e rebeldia): ainda não tive paciência, gosto, inteligência e outras coisas mais para ler Lobo Antunes. Tentei um dia com o livro «os cus de judas» numa repartição pública (sentada nos degraus frios de pedra mármore) e não passei das primeiras 10 paginas. Depois disso li o Wilde e armei-me da doutrina do homem: não é preciso ler mais de dez para se perceber e tal e tal.
O que ela diz podia aplicar-se ao Faulkner, ao Beckett, etc. Ela parte do pressuposto idiota de que uma narrativa deve ter princípio, meio e fim. Ora, qualquer narrativa não é assim tão linear. Até o mais comercial filme-pipoca apresenta narrativas mais complexas do que essa estrutura linear.
E como se sabe tornar as narrativas mais complexas serve, entre outras coisas, para evitar que a narrativa seja demasiado evidente e prevísivel.
Outra coisa curiosa é que a ideia de narrativa como "princípio-meio-fim" é completamente abstracta. É apenas um modelo muito utilizado e que só serve cabeças de areia da literatura light. A tão difícil "corrente de consciência" no fundo é mais concreta e primitiva do que aquele esquema abstracto.
Lembrei-me agora de uma citação do Brás Cubas que o João Lisboa pôs no blog e que arruma com esta questão de uma vez por todas:
"O livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contracção cadavérica, vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer e o livro anda devagar; tu amas a narrativa direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...".
Já vi/ouvi o vídeo. Já disse nunca ter lido Lobo Antunes, agora digo que nunca li nada dessa senhora (nem tinha percebido quem era antes de ver o vídeo) É claro que isto não é para ser tido em conta como uma crítica ao Lobo Antunes. Também aqui (nas palavras da senhora) temos uma narrativa incompleta. O que ela pretende é dizer aos interlocutores, que não é capaz de metáforas, não sabe escrever bem, não sabe fazer boa literatura, mas sabe como contar uma boa história. E conta-a, aqui, sobre o Lobo Antunes.
Também nao li nada desta escritora (?), mas espero que as suas obras sejam um pouco mais bem elaboradas e consistentes que a sua oralidade. Lamento para a senhora se esta aparicao tiver tido um sentido publicitário...
A Rita Ferro pode ter as suas razões, do Lobo Antunes de hoje, não sei... Quando descobrí o escritor há vinte e tal anos, longe daqui, que prazer reconhecer este país de merda que era o meu, da miséria existencial nossa, através da escrita desta pessoa que muito aprecio.
Grossistas de palavras Por Alice Vieira in "JN" de 13 Abr 08
"A crer no que disseram os jornais, Carolina Salgado declarou ao tribunal ser escritora de profissão. E, tanto quanto sei, devia estar sob juramento. E não lhe tremeu a voz. E não corou. Suponhamos agora que ela chegava e dizia, por exemplo, que era advogada. Ou juíza. O que é que lhe acontecia? Porque para todas as profissões se requerem estudos, habilitações, trabalho esforçado, provas dadas. Para todas - menos para a de escritor. Que é, cada vez mais, uma profissão muito mal frequentada…"
Como a maioria dos comentadores notou, não se trata de conhecer (ou sequer apreciar) ou não a escrita de Lobo Antunes; trata-se da visão paupérrima da literatura que estas palavras denunciam. Que se digam tais patetices depois de Tristram Shandy, Bouvard et Pécuchet, Mrs. Dalloway, O Som e a Fúria, etc., etc., etc., isso sim é incompreensível
chegou o momento de merecer a sua desconsideração (no fundo, no fundo, tenho um lado acesso de destemor e rebeldia): ainda não tive paciência, gosto, inteligência e outras coisas mais para ler Lobo Antunes. Tentei um dia com o livro «os cus de judas» numa repartição pública (sentada nos degraus frios de pedra mármore) e não passei das primeiras 10 paginas. Depois disso li o Wilde e armei-me da doutrina do homem: não é preciso ler mais de dez para se perceber e tal e tal.
ResponderEliminaraceso (tremeu-me o dedo em cima do 's')
ResponderEliminarO que ela diz podia aplicar-se ao Faulkner, ao Beckett, etc. Ela parte do pressuposto idiota de que uma narrativa deve ter princípio, meio e fim. Ora, qualquer narrativa não é assim tão linear. Até o mais comercial filme-pipoca apresenta narrativas mais complexas do que essa estrutura linear.
ResponderEliminarE como se sabe tornar as narrativas mais complexas serve, entre outras coisas, para evitar que a narrativa seja demasiado evidente e prevísivel.
Outra coisa curiosa é que a ideia de narrativa como "princípio-meio-fim" é completamente abstracta. É apenas um modelo muito utilizado e que só serve cabeças de areia da literatura light. A tão difícil "corrente de consciência" no fundo é mais concreta e primitiva do que aquele esquema abstracto.
ResponderEliminarUm caso típico de confusão «não se percebe» com o «eu não percebo». E nem sou grande fã do Lobo Antunes.
ResponderEliminarAntónio
Lembrei-me agora de uma citação do Brás Cubas que o João Lisboa pôs no blog e que arruma com esta questão de uma vez por todas:
ResponderEliminar"O livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contracção cadavérica, vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer e o livro anda devagar; tu amas a narrativa direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...".
Já vi/ouvi o vídeo. Já disse nunca ter lido Lobo Antunes, agora digo que nunca li nada dessa senhora (nem tinha percebido quem era antes de ver o vídeo) É claro que isto não é para ser tido em conta como uma crítica ao Lobo Antunes. Também aqui (nas palavras da senhora) temos uma narrativa incompleta. O que ela pretende é dizer aos interlocutores, que não é capaz de metáforas, não sabe escrever bem, não sabe fazer boa literatura, mas sabe como contar uma boa história. E conta-a, aqui, sobre o Lobo Antunes.
ResponderEliminarquer dizer, o saber contar uma boa história (não sei se sabe)é assim como que não tenho mais nada comparável por onde me safar.
ResponderEliminarQuem quiser aceder a histórias simples e busque o imediatismo narrativo, que compre o Coelho ou a Rebelo Pinto.
ResponderEliminarTambém nao li nada desta escritora (?), mas espero que as suas obras sejam um pouco mais bem elaboradas e consistentes que a sua oralidade.
ResponderEliminarLamento para a senhora se esta aparicao tiver tido um sentido publicitário...
Sinto o mesmo que a Rita Ferro, em relação aos últimos livros que li de Lobo Antunes...
ResponderEliminarnão acho que escrever uma boa história, seja misturar personagens, tempos verbais, acções, etc.
Claro que eu não sou critico literário, nem pertenço a capelinhas, nem tenho medo de dizer o que penso...
palmas para a Rita
A Rita Ferro pode ter as suas razões, do Lobo Antunes de hoje, não sei...
ResponderEliminarQuando descobrí o escritor há vinte e tal anos, longe daqui, que prazer reconhecer este país de merda que era o meu, da miséria existencial nossa, através da escrita desta pessoa que muito aprecio.
Beijo
ResponderEliminarGrossistas de palavras
ResponderEliminarPor Alice Vieira
in "JN" de 13 Abr 08
"A crer no que disseram os jornais, Carolina Salgado declarou ao tribunal ser escritora de profissão.
E, tanto quanto sei, devia estar sob juramento.
E não lhe tremeu a voz.
E não corou.
Suponhamos agora que ela chegava e dizia, por exemplo, que era advogada. Ou juíza. O que é que lhe acontecia?
Porque para todas as profissões se requerem estudos, habilitações, trabalho esforçado, provas dadas. Para todas - menos para a de escritor. Que é, cada vez mais, uma profissão muito mal frequentada…"
Abençoada lebre, que tem cá um arrozal de fazer dar estalinhos ca língua... tla, tla, tla...
ResponderEliminarQuanto à azia, quem é a dona daquela papada de bócio?
Parabéns pelo blog!
ResponderEliminarComo a maioria dos comentadores notou, não se trata de conhecer (ou sequer apreciar) ou não a escrita de Lobo Antunes; trata-se da visão paupérrima da literatura que estas palavras denunciam. Que se digam tais patetices depois de Tristram Shandy, Bouvard et Pécuchet, Mrs. Dalloway, O Som e a Fúria, etc., etc., etc., isso sim é incompreensível
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