MEDITAÇÃO NA PASTELARIA

27/10/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «DIAS DE CHUVA»

«(...) Não leio notícias da guerra.

Em vez disso, volto ao crochet. Abençoado crochet que me resguarda do mal-estar que, segundo o Eurobarómetro para a saúde mental publicado este mês, afecta 73% dos portugueses (pior só a Lituânia, com uma média de 74%).
E depois de, qual Penélope, muito fazer e desmanchar, apercebo-me finalmente de uma regra aritmética simples: para transformar um círculo num quadrado o número de pontos do círculo tem de ser múltiplo de quatro! Sinto-me como imagino o grego Arquimedes se sentiu ao gritar “Eureka!” na banheira.
Como não há bela sem senão e como falei na Lituânia, não me vou sem informar o prezado leitor de que a Lituânia, precisamente, acrescentou à longa lista de sanções à Rússia a proibição da compra de “agulhas de costura e tricot”. A proposta de Vilnius, em estudo em Bruxelas, é, no entanto, omissa quanto a agulhas de crochet. (...)»
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20/10/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Vai, vai, vai, disse a ave...»

 «(...) Não estamos preparados. Talvez nunca estejamos preparados. E logo agora quando o mundo arde.

Tão rendidos que estávamos à empatia – quase sempre traduzida em sentimentalismo, e do mais barato –, tão evoluídos que já a disforia de género passara de perturbação a opção democrática acessível a crianças desde a mais tenra idade, tão civilizacionalmente adiantados que a linguagem estava quase, quase a tornar-se neutra e inclusiva, tão respeitosos que não havia passado pelo qual não pedíssemos perdão, e logo nos caem em cima não uma, mas duas guerras, fora as restantes, daquelas à antiga, com bombas, mortes e desespero. Para mais, apesar de relativamente distantes, com todas as características incendiárias que qualquer boa guerra necessita para ser levada a sério.
E de novo à solta as emoções, que do sentimentalismo barato engrossaram para o ódio e a brutalidade. Nada de novo quando se trata de emoções. (...)»
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13/10/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Não mais do que a espuma dos dias»

 «(...) Para os que tiveram a felicidade de nascer e viver na Europa do pós-guerra, outra era despontava. Houve até quem arriscasse que a História tinha chegado ao fim.

Porque era chegado o tempo dos direitos humanos verdadeiramente universais. Da tolerância para com todas as minorias e todos os seus subgrupos existentes ou por vir. A robótica e a inteligência artificial iriam libertar-nos da escravidão do trabalho assalariado, do esforço intelectual inútil, e mesmo o sexo poderia praticar-se virtualmente com muito menos esforço físico, para benefício dos cardíacos. A Internet permitia urdir uma teia universal de paz, amor e empatia nunca vista, da qual nem os animais não-humanos estavam excluídos. Todo o mal teria cura: para tal, bastaria a terapia certa.
Nem a mais visionária Miss Mundo, nos seus sonhos mais húmidos, havia ousado sonhar com realidade tão maravilhosa, onde até a morte se apresentava, vistosa e despreocupada, segurando nas mãos, não uma foice, mas um menu e calendário à escolha. Os pássaros cantariam e os poetas poetariam, refutando Manuel António Pina: “A poesia vai acabar, os poetas / vão ser colocados em lugares mais úteis. / Por exemplo, observadores de pássaros / (enquanto os pássaros não acabarem)”.
Depois – lá está – houve qualquer coisa que correu mal. (...)»
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