09/09/12

“Que vergonha, rapazes!”

Éramos três e iniciávamos o on the road cantando alegremente ‘The rain in Spain stays mainly in the plain’. Naquele tempo, “Madrid me mata” não era uma figura de estilo. Madrid matava-nos mesmo, tão certo como ser a “língua (…) o petróleo da nossa relação”, para citar, não Oscar Mariné ou sequer a lírica de Camões, tão-só o poetar timorense do ministro Miguel Relvas.
Já por tierras de España, “al declinar la tarde, sobre el remoto alcor”, trocámos a elegância fonética pelas canções de Sabina e foi um fartote.
“Madrid es un disparate”, havia de dizer-me a meio de um cocido o velho poeta Antonio Ferres, o que, traduzido, quer dizer mais coisa menos coisa que a capital espanhola é um excesso, para o que muito contribuirá, aliás, a 'graciosa irrespetuosidad que es característica del madrileno', socorrendo-me aqui de uma frase de Ortega y Gasset que nunca ouvi citada por Sócrates.
Ao abandonar, então, a nossa zona de conforto, “Nápoles por suíços habitada”, deixávamos para trás a “videirunha à portuguesa”, seguindo movidos pela poesia de O’Neill e o desejo firme de contrariar o Roque. Em Madrid, a fiesta misturava-se – arbitrariamente – com a siesta. Sucumbimos.
Claro que a “alma dos povos” é conceito pré-científico, e limitado o empirismo impressionista. Ainda assim, décadas passadas sobre a nossa incursão madrilena, Juan José Millás publica no El Pais um texto sobre a crise com o sugestivo título “O cano de uma pistola pelo cu acima” (no original, Un cañón en el culo), enquanto em Portugal é notícia o queixume de um escritor “absolutamente decapitado pela minha [dele] editora”.
Será a culpa das varizes de que falava o Roque ou existirá mesmo uma máquina de fazer espanhóis?

03/09/12

"Ça, c’est du meuble ! "

"Le cinéma c'est un art, la télé c'est un meuble". A frase é de Godard, ilustre cineasta que, como qualquer francófono que se preze, gosta de dizer coisas.
António Borges, pelos vistos, também gosta. Foi assim que, chegado directamente de algures e com o Ministro nenhures,veio a público apresentar um modelo de privatização da radiotelevisão a que chamarei sui generis, entendendo sui generis como uma variante latina do nome próprio Al Capone.
Resumindo: propõe-se o Estado, despachada a arte, aviar o móvel, continuando nós a financiar os compradores da mobília e não se pense que a preços do Ikea: 140 milhões por ano e sem rebajas à vista!
Isto, como depressa se percebe, é o maior negócio da China, pelo menos desde que a Inglaterra obrigou o imperador Daoguang a assinar o Tratado de Nanquim em 1842.
A especificidade dos liberais nacionais, já notada em outros “negócios interessantes”, continua, pois, a surpreender-nos: passa-se a RTP1 aos privados (fechada a 2 e umas quantas rádios…), mantém-se a taxazinha inserida na conta da luz, e continua-se a garantir um cheque de seis zeros e mais uns trocos à empresa que ficar encarregue de cumprir o “serviço público” a que a Constituição obriga.
Golpe de mestre! Golpada de génio! Cavalgada heroica! Crazy horses! A adjetivação tanto faz, mas assinale-se que Twain se precipitou ao escrever: “Suppose you were an idiot and suppose you were a member of Congress. But I repeat myself!”; pelo menos em Portugal, não há idiotas, só adiantados mentais.
E porque o tema era televison, segui o conselho de Groucho; fui ler um book. Aliás, dois. "Da Treta”, Harry G. Frankfurt, e "Não me F**** o Juízo”, Colin McGinn.
Melhorei consideravelmente.