29/06/09

Um poeta atira-se à jugular da prosa

José Agostinho Baptista conta uma história. Chama-se O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos e foi agora publicado, como habitualmente, pela Assírio & Alvim. Termina assim:

«Rondarei as cavernas, a cria do urso branco, as ossadas de um mercador e de um peregrino. Entre o gelo e o degelo, pressentirei a alcateia que desde a infância me conhece tão bem como conhece as suas crias. Alisarei a pedra, o punhal, o machado, cortarei as urzes e o zimbro, matarei a lebre e a serpente, e depois será outono e depois inverno e depois primavera e depois o verão. Um dia, o condor subirá até estas paragens e à aproximação do crespúsculo regressará às cordilheiras do sul. À porta do templo dos cem tigres esceveria, se soubesse: eu era o guardião mas agora não sou nada, não quero nada, ando por aí. Só tenho uma flauta de canas verdes e um cão. Tudo o resto sonhei.»

O lançamento de O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos vai acontecer no próximo dia 4 de Julho, no Restaurante Many, a partir das 18 horas, na Fajã da Areia, São Vicente, Ilha da Madeira.

27/06/09

Não vamos mais longe: só pelos nomes que dá às coisas se vê que o Irão é um país esquisito

Guia Supremo: autoridade máxima do Irão em termos políticos e religiosos; desde 1989 ocupa o cargo Ali Khamenei
Assembleia dos Peritos: formada exclusivamente por 86 religiosos de carreira eleitos por sufrágio universal depois das suas candidaturas serem aprovadas pelo Conselho dos Guardiães; nomeia e pode eventualmente demitir o Guia Supremo
Conselho dos Guardiães: composto por 12 juristas e clérigos (metade metade) nomeados pelo chefe do poder judicial, tem poder para vetar leis que contrariem a Constituição ou/e a Charia, devendo ainda aprovar (ou não) os candidatos a Presidente, deputado ou a membro da Assembleia dos Peritos
Conselho de Discernimento do Interesse Superior do Regime: é composto por 22 membros nomeados pelo Guia Supremo e serve de órgão de arbitragem entre o Conselho dos Guardiães e o Parlamento
Corpo de Guarda da Revolução Islâmica: organização paramilitar que depende directamente do Guia Supremo e que existe em paralelo com as forças armadas regulares

Claro que os fãs d' O Senhor dos Anéis poderão chamar um figo a este organigrama, mas eu pessoalmente nunca fui muito à bola com o Tolkien. Confesso.

A soap Fripór cada vez mais hilariante...

Agora foi a vez do ex-presidente PS da Câmara de Alcochete ser constituído arguido. De seu nome, Inocêncio...

Talvez seja o facto de ter lido O Capital em pequenina que me impede de ser solidária com o Berardo em grande

Não posso jurar que Marx teve razão quando enunciou a lei da baixa tendencial da taxa de juro. Como também não sei se acertou quando previu que as contradições internas do capitalismo levarão o sistema à ruína.
Confesso que não volto a Marx há muitos anos. Do filósofo alemão terei retido apenas umas ideias vagas, mas que, sendo vagas, ainda assim explicarão o meu pé atrás em relação ao vil metal. Do qual nada espero, esclareça-se, excepto que chegue para eu pagar as contas.
E foi talvez essa leitura precoce que me levou a encarar com absoluta naturalidade as acusações feitas há dias a cinco administradores do BCP. Segundo consta, não terão sido rapazes muito honestos, facto que está na origem da profunda indignação do comendador Joe Berardo que qualificou a matéria de roubo.



Face a isto, sei que o que vou dizer agora pode ser tomado por completa ingenuidade, se não mesmo por burrice: mal por mal, prefiro tipos que enriquecem à custa de crimes de manipulação de mercado, falsificação de documentos e burla qualificada, do que criaturas que enriquecem à custa do apartheid.
Inútil será que se exija moralidade ao capital: eis o que me ficou do velho Marx. Já a um primeiro-minstro, por exemplo, deve exigir-se alguma. Porque, super e infra estruturas à parte, assim como assim há limites. Acho eu.
Ou seja, e citando mais uma vez o insuspeito Johnny Caspar, um dos mafiosos do extraordinário Miller's Crossing: «(…) I'm talkin' about character. I'm talkin' about – hell, Leo, I ain't embarrassed to use the word – I'm talkin' about ethics».

25/06/09

Organizem-se porra ou mais uma cagada em três actos

PRIMEIRO ACTO
[a acção decorre na Assembleia da República, à porta do plenário...]

Ministro da Agricultura Jaime Silva: «Vou ter uma reunião com ele hoje à tarde e em função disso tomarei uma decisão. Vou ouvir da parte dele aquilo que li nos jornais no regresso do avião»


SEGUNDO ACTO
[entretanto, na Assembleia da República mas no interior do plenário...]

Primeiro-ministro José Sócrates: «O arquitecto Carlos Guerra falou com o senhor ministro da Agricultura na semana passada imediatamente a seguir ao momento em que foi ouvido pela Polícia Judiciária (PJ), comunicando ao senhor ministro que tinha sido constituído arguido e que, portanto, ele achava que devia colocar seu lugar à disposição e que o Ministério da Agricultura fazia bem em escolher um outro responsável».
«O senhor ministro da Agricultura agradeceu-lhe o gesto, agradeceu essa carta e tomou a decisão de nomear um novo gestor para o PRODER. É assim que se comporta um Governo decente. O Governo vai nomear um novo responsável pelo PRODER»

TERCEIRO ACTO
[logo a seguir, sem intervalo, ainda na Assembleia da República mas de novo à porta do plenário...]

Ministro da Agricultura Jaime Silva: «O arquitecto Carlos Guerra pôs o lugar à disposição e eu tomei em consideração a iniciativa dele.»
Confused? You won't be, after the next week's episode of... fripór
Imagem: Jamie Lee Curtis em «True Lies»

Da série embirrações assumidas: este manuel de pinho nunca me desilude!

Registe-se mais uma frase sábia do ministro da economia e inovação sobre o potencial [turístico] de Portugal:
Às vezes esquecemos que o cão do presidente Obama é um cão algarvio.
[Que por acaso nasceu no Texas...]
Lido aqui, vindo daqui

23/06/09

Don DeLillo: retrato exacto de uma geração em 429 palavras [como só um escritor seria capaz, claro]

(...) «Toda a gente já leu sobre como foi difícil para vocês, veteranos do Vietname, a transição para a vida civil. Estavam tão bem nos campos de prisioneiros, a supervisionar a tortura de um ou outro camponês.»
«É melhor ir com calma», disse ele.
«E de repente vêem-se de volta à América e andam por aqui, desconcertados. Não admira que conservem o mesmo sorriso. Eu sei, os camponeses eram perigosos. O inimigo estava por todo o lado.»
«Está a sair dos seus domínios.»
«É verdade», disse ela. «É uma insolência da nossa parte, os não combatentes, criticarmos Os Que Estiveram Lá. Eu compreendo esse ponto de vista e até simpatizo com ele. Ainda assim, sempre senti que a melhor forma de ver as coisas é objectivamente e, às vezes, a distância permite-nos uma visão mais clara e precisa. Uma distância de milhares de quilómetros. Os sofrimentos testemunhados em ambos os lados do conflito podem não passar de uma mentira. Mas você tem razão, em termos gerais. No meu ridículo esforço para ser imparcial, consigo compreender o seu ponto de vista. E, sim, admito que estou fora dos meus domínios. Por isso, voltemos atrás. Falemos antes de coisas que vi e ouvi.»
O táxi seguia agora para o centro da cidade pelo lado oeste do parque.
«Você e o senador andam atrás do mesmo. Eu sei do que se trata, embora não possa dizer que compreenda plenamente que interesse vêem naquilo. Mas não importa. O que importa é que um homem foi morto à conta disso.»
«E acha que isso é importante.»
«Acho que merece ser tido em consideração.»
«A mim não me parece que seja importante.»
Mudger estava inclinado para ela, coarctando-lhe um pouco o espaço, com o seu braço esquerdo estendido sobre o topo do banco.
«Está a aprender a falar comigo?», perguntou ela.
«Como?»
«Disse que não sabia falar comigo. Que por isso é que aqui estava.»
«Estou a aprender alguma coisa. Não sei bem o quê. Acha então que é importante. Um homem foi morto. E há dez anos, também achava que foi importante? No tempo do seu perito em demolições?»
«Está a par disso. Claro.»
«Claro que estou. O grande Gary Penner, já falecido. E ali andava você, muito magra e perdida, no seu casaco com dragonas. Quantas pessoas é que o Gary mandou pelos ares, nas suas aventuras? Você devia saber. Vivendo com ele. Tendo vivido com ele. Meia dúzia de seguranças. Alguns transeuntes. Um braço aqui, uma perna acolá.»
Moll olhou pela janela.
«Você não interveio directamente. Assistir da bancada já era suficientemente divertido. Mas entretanto amadureceu, não é verdade? O terror já não é tão excitante como outrora. Sabemos demasiado. Vimos coisas. Agora dedicamo-nos à jardinagem biológica.»
«Acha mesmo que amadureci?»
«Um pouco», disse ele. «Em certa medida. O suficiente para estabelecer limites.»
(...)
Cão em Fuga, Don DeLillo, Relógio D’ Água, 2009, trad. de José Miguel Silva

19/06/09

A propósito da famigerada arrogância de Sócrates gostava de dizer que há arrogantes de quem gosto muito

Para que não restem dúvidas: não me parece que a arrogância seja, em si mesma, um mal. Aliás, poucas coisas me parecem, em si mesmas, um mal.
Daí que eu obedeça a poucos mandamentos. Nunca os contei mas duvido que somados dêem 10...
Esclareça-se: não me sinto moralmente debilitada por isso. Tenho para mim que o que se diz dos pássaros aplica-se na perfeição aos princípios: mais vale um na mão do que dois a voar...
Mas voltando ao assunto deste post.
A arrogância pode ter várias interpretações. Por exemplo, na minha geração se um tipo nascia no Restelo e tratava mal um empregado de mesa era considerado arrogante. Já se nascesse em Alcântara, bairro que fica mesmo coladinho, idêntico comportamento fazia dele um malcriado.
Claro que para o empregado de mesa a diferença residia sobretudo na gorjeta, o que, em determinadas circunstâncias, pode ser uma diferença ENORME.
E é chegados aqui que somos obrigados a concluir que, apesar da aritmética simples do Singer, a ética é um assunto complicado para caraças.
Mas voltando ao assunto deste post.
Insistem alguns em ver na arrogância do primeiro-ministro a razão da sua queda anunciada. O Senhor Comentador, porém, soube pôr o dedo na ferida:
«Sócrates é como é (...) É agressivo? É. É chato? É. Acha que está sempre certo? Acha. Estamos fartos? Estamos. Mas a arrogância é insignificante no meio de tudo isto. As boas maneiras não são para aqui chamadas. O que interessa são as suas decisões. Apenas e só. Se concordamos com elas, pode, para nós, arrogar à vontade. (...) Ou como diria o outro, não é a arrogância. É a política, estúpido».
Plenamente de acordo. Mas permitam-me um acrescento pessoal. Só aos génios se deve conceder o direito à arrogância, nunca aos estúpidos. Eu, pelo menos, oferecer-me-ia sem problemas para servir cafés ao Oscar Wilde e ouvi-lo responder: «Ah! Não me diga que concorda comigo! Quando as pessoas concordam comigo, tenho sempre a impressão que estou errado».

18/06/09

Coisas de que gosto vá lá saber-se porquê


COPO

Não gosto de mesas de vozes em série,
nem de brindar à saúde de quem não conheço.
À semelhança deste homem que circunspecto
assiste, prefiro o silêncio das salas vazias.

Depois de o prato, a faca, a colher
e o garfo terem sido removidos da mesa,
ficamos sós com as nossas memórias,
trespassados pela luz
de uma lâmpada de sessenta watts
que de súbito emudece.

Na margem de um estremecimento
acende outro cigarro.
Nos vidros a chuva vigia.
Jorge Gomes Miranda, in O Acidente (Assírio & Alvim, 2007)

Roubado directamente daqui
Imagem de Edward Hooper

17/06/09

A propósito da crise no Irão lembrei-me que já houve um tempo em que a malta queria era ir para Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Manuel Bandeira

Imagem da actriz iraniana Golshifteh Farahani

16/06/09

Isto não é um post sobre futebol embora possa parecer

Eu sei que podia falar do 'Conselho dos Guardiões da Constituição' do Irão, um órgão que me lembra vagamente o Harry Potter. Ou da 'ingenuidade' de Constâncio, um homem que a gente basta olhar para ele para se lembrar do Dom Quixote. Também podia dissertar sobre a diferença ontológica entre 'maioria absoluta ou/e parlamentar do PS' ou sobre as minhas alfaces que foram à vida ontem derivado à chuvada que lhes caiu em cima.
Em vez disso, fico-me por aqui:
É QUE NEM QUE COMA A PARIS HILTON MIL VEZES CHEGA AOS CALCANHARES DO EL PIBE

Roubado daqui para o Zé.

15/06/09

Não é que eu acredite no bom selvagem mas as crianças podem ser mesmo uma delícia

Conta a Helena do 2 Dedos de Conversa que, aos 7 anos, a sua filha Christina foi convidada a participar numa acção de formação e treino cujo objectivo era melhorar o ambiente da escola. Um dos exercícios propunha que os diálogos entre os miúdos começassem por "eu", com o que se tentava evitar situações de ataque e agressão imediatas.
Continua a Helena:
Uns tempos depois a Christina contava-me, toda orgulhosa:
― Hoje tive uma discussão com a Clea e fui capaz de usar frases começadas por "eu"!
― Então o que é que lhe disseste?
― Disse-lhe assim: eu acho que tu és uma parva.

12/06/09

Silvio Berlusconi, Muammar Kadafi e as 700 virgens

A vida amorosa e sexual de Silvio Berlusconi não me interessa para nada. Compreendo que a legítima tenha pedido o divórcio; o resto é lá com eles.
O facto de Silvio receber Muammar e haver 700 mulheres dispostas a sujeitar-se à palhaçada de participarem numa palestra do ditador líbio (ainda por cima mais feio do que uma noite de trovões, como se diz na minha terra...) jã me parece digno de nota.
Até porque, sejamos rigorosos: segundo o hadith atribuído a Maomé, tal encontro só no Paraíso e nunca com 700: o profeta terá prometido apenas 72, número, convenhamos, bastante mais razoável.

10/06/09

Salgueiro Maia: mais vale tarde do que nunca? Não sei

Para que conste e porque não sofremos de amnésia: há 20 anos Cavaco Silva recusou uma pensão por serviços excepcionais e relevantes a Salgueiro Maia. O homem tinha-nos oferecido a democracia de bandeja, mas o que havia de excepcional ou relevante nisso? Ao invés, o então primeiro-ministro agraciou dois PIDES com uma reformazinha. Suponho que pelos bons serviços prestados à Nação...
Agora, com 20 anos de atraso e o homem morto, o mesmo Cavaco vem prestar homenagem ao capitão de Abril no âmbito das comemorações do dia de Camões. Está certo. Do poeta também não consta reconhecimento em vida. E que nos seja permitido duvidar que Cavaco tenha alguma vez lido os Lusíadas.

A book a day keeps the doctor away

Confissão prévia: há muito tempo que um romance não me surpreendia tanto!
Confissão prévia que é também confissão de ignorância: Mohamed Leftah era ― até As Meninas da Numídia me ter chegado às mãos ― um perfeito desconhecido para mim. Neste caso, terei talvez desculpa: Mohamed Leftah era um perfeito desconhecido para a maioria dos leitores. Deixou de sê-lo quando o português Joaquim Vital, editor há muito radicado em França e responsável pela La Différence, o descobriu já no século XXI.
O escritor marroquino de expressão francesa (1946-2008) havia publicado um livro em 1992, Demoiselles de Numidie, e depois fora o silêncio. Vital tropeça no nome dele no Dicionário de Escritores Marroquinos assinado por Salim Jay. Com a ajuda de Jay, acabará por ir encontrá-lo no Cairo, com sete ou oito romances prontos a serem publicados. E foi o que fez.
As Meninas da Numídia é, pois, o seu romance inaugural e, mesmo que não tivesse escrito mais nada, só por este merecia lugar de destaque. Original e inclassificável, o texto recria o ambiente de um bordel de Casablanca onde as putas têm nome de flores e os chulos sodomizam louros escandinavos. A linguagem é simultaneamente poética e crua, e Leftah consegue ainda a proeza de, a uma só voz, escrever um hino às mulheres e à literatura.
Convoca-se Borges para este submundo de sífilis e violência e o leitor aceita-o com naturalidade, rendido à inteligência poética do autor; invoca-se Camus, a poesia pré-islâmica ou as sagas vikings, o mênstruo das mulheres, fufas e paneleiros, drogas e sexo "depravado" ― ainda assim o cocktail, explosivo, mantém um sabor inexplicavelmente sublime. O leitor passa do sórdido ao compassivo, levado pelo encantamento da escrita de Leftah, como se assistisse ao fluir de um rio que corre obrigatoriamente para a foz.
Moralismos e sociologias à parte, salvas ou perdidas as personagens pela palavra:

ENUCLEAÇÃO SÁDICA
CARNIFICINA NUM BAR DE MÁ FAMA
UM HUMILDE APOSENTO TRANSFORMADO EM MATADOURO
Assim falaram os jornais da tarde acerca de Rosa e de Almíscar da Noite, de Spartacus e de Zapata. Mas antes que esses jornais indecentes e conspícuos pousem nos vossos corpos despedaçados, nas vossas almas abandonadas, terei força para vos cantar ainda, ó chulos inocentemente cruéis do meu país, e a vós, esplêndidas raparigas-flores da Numídia, à sombra ardente das quais eu escrevo.
Belíssimo. E que este, sendo o primeiro, não seja o último dos romances de Mohamed Leftah traduzido para português.

As Meninas da Numídia, Mohamed Leftah, 2009, Quetzal

09/06/09

A quem puder interessar: Vital Moreira foi para os Açores onde eu vi pela primeira vez na vida um filme porno. Juro.

Não diz para onde. Eu teria escolhido São Jorge. Das ilhas que conheço é a minha preferida. Não será por isso, mas foi lá que vi pela primeira vez na vida um filme porno. Passava no canal vídeo do hotel onde fiquei hospedada. Era Inverno, o hotel estava praticamente vazio; além de mim havia apenas dois ou três caixeiros-viajantes. A televisão estava colocada no quarto, ao alto, àquela altura que convida ao torcicolo. Tinha três canais: um de rádio, a RTP e o de vídeo. Dada a distância, levei um bocado de tempo a perceber o conteúdo das imagens. A emissão era gratuita. À tarde, no mesmo canal, passavam filmes-família. Houve um dia de muito frio em que revi o Errol Flynn na Marca do Zorro. Não me recordo do título do filme porno. Adormeci a meio. Deu-me sono. O Vital também me dá sono. Lembrei-me disto já nem sei bem porquê. Mas reafirmo: gosto muito de São Jorge.

08/06/09

A derrota de Sócrates profetizada por Moreira ― na altura ninguém entendeu por ser a frase um tanto obscura como é próprio das profecias

Palavras para quê? É uma artista portuguesa!
Imagem roubada daqui

Eleições: o Dia D depois do Dia D

Os conservadores avançam na Europa, pelo que se aguarda com grande expectativa a entrada no Parlamento Europeu das deputadas eleitas pelo partido de Silvio Berlusconi.
A extrema-direita avança na Europa. Na Holanda, então, é um vez que te avias. Mas na Inglaterra, meus senhores!?
José Sócrates levou uma abada bem dada depois da campanha negra do Vital. A ajuda do próprio juntou a fome à vontade de comer. E comeram pela medida grande!
A extrema-direita não elegeu ninguém no burgo. Os brandos costumes nem sempre são uma coisa má.
Há um partido de piratas eleito na Suécia. Eu, se fosse sueca, mesmo não sendo loura se calhar tinha votado neles.
Os eleitores europeus borrifaram nesta Europa; qualquer dia os burocratas de Bruxelas lixam-se. Esperemos só não nos lixarmos todos por arrasto.
Enquanto isto, na América, Obama continua a parecer uma razão para não desistirmos ainda.

05/06/09

E quanto às eleições é isto

Acho que se deve votar. O voto branco, nulo e a abstenção são ignorados pelo sistema político. O voto será sempre uma escolha relativa, táctica, prática. Se excluirmos 25% de cidadãos bafejados pela graça, a imensa maioria não se identifica com nenhum programa, líder ou sub-líder, para andar por aí em comícios ou arruadas.
Deixo de lado a fauna abjecta dos directores gerais e esposas, assessores, pequenos e médios autarcas e famílias, directores de hospitais e de agrupamentos de centros de saúde, administradores delegados filhos e filhas, brochistas e esposas. Essa gente é o esteio do regime. Vive da tença. O seu entusiasmo é proporcional às ajudas de custo. Organizam-se em sociedades discretas onde tratam dos valores e da sua reprodução. Deviam ser ignorados pelas pessoas de bem.
Deixo de lado os excursionistas, os pobres de espírito, o exército de reserva, os que fazem fila para um lugar na plateia e batem palmas, sorriem, dizem ohhhh de espanto a mando dos cartazes.
Deixo de lado os rapazes de família que vêem na chatice das tarefas partidárias a tarimba para um futuro radioso.
Deixo de lado os convictos. Os militantes dos partidos minoritários. Eu tive a fé deles e a doença deles.
Mas se excluirmos os pulhas, os excursionistas e os convictos que alimentam o espectáculo do regime, o que resta é a multidão que os suporta com indulgência e agora, ao que parece, se prepara para abster.
Como tomar banho na praia, beber um copo ou dormir são actos insignificantes, é preferível a insignificância do nosso voto. Um voto contra Sócrates, que representa o pior dos últimos trinta e cinco anos: inscreveu-se no PS porque se enganou na porta, assinou projectos que simbolizam a degradação imobiliária do país interior, transformou o PS no partido dos Coelhos e dos Varas, dos Campos e dos Vitais, esteve na trapalhada do Freeport, na entrega do CCB, criou a dona Lurdes e a dona Ana, privatizou o ar e nacionalizou o BPN, foi elogiado ad nausea pelo dr. Dias Loureiro. Aos socialistas que votam nessa sêxtupla de pesadelo que assombra as rotundas da pátria – Campos e Estrela, Gomes e Estrela, Capoulas e Estrela, Vital e Estrela, Elisa e Estrela – devíamos dizer: jamais esqueceremos.
Texto roubado daqui.

Sem tempo mas ainda a tempo

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