25/03/09

O homem é um verme mas eu também desconfio de muitos dos que agora se indignam

Há pouco tempo tinha sido o Williamson. Agora foi o Le Pen.
Volta não volta, volta-se ao mesmo.
Quantos morreram? E será que morreram? E de quê que de gás não foi?
Apesar deste assunto cheirar literalmente mal [os pavilhões de Birkenau fedem mesmo] gostaria de fazer um reparo sobre as declarações de Le Pen.
O líder da Frente Nacional não afirmou que não tinha havido Shoah, o que ele afirmou foi que as «câmaras de gás» tinham sido um «pormenor» no contexto da II Guerra Mundial.

Lamento dizer isto, o homem é um verme, mas a frase está historicamente correcta. À época, não só as «câmaras de gás» eram um pormenor, como a própria «Solução Final» não era coisa que tirasse o sono aos Aliados.
Podemos permitir-nos hoje pintar quadros heróicos e imaginar o Bem cavalgando sobre o Mal, vencendo Hitler, o demoníaco, e dando tudo por tudo para salvar as pobres vítimas.
Podemos. Mas a verdade histórica é que, durante a II Guerra, todos cagaram nos judeus (salvo raríssimas excepções, que pouco ou nada contaram para a evolução dos acontecimentos), continuando, aliás, a fazer o mesmo após a queda do nazismo ― leia-se A Trégua , de Primo Levi .
A actual gritaria pode fazer muito efeito mas eu, pessoalmente, gostaria mais de saber, por exemplo, porque razão no século XXI o Estado português, através do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, paga e publica um livro como o do embaixador João Hall Temido em que se insulta a memória de Aristides Sousa Mendes e em que as «câmaras de gás», lá está, não passam de «um pormenor».

Confesso que Winnie the Pooh é o único taoista que conheço mas também é verdade que o adoro de pequenina

What Religion Should You Be?
You Should Follow Taoism

Eu sei que estes testes são uma treta mas aproveito para vos mostrar o Pooh em russo. [Sem negar que se o resultado tivesse sido Testemunha de Jeová ou assim ter-me-ia calado que nem um rato.]

24/03/09

Post que tem que ver com o anterior: este anúncio foi excluído mas não era do Bidarra e se não se rirem é porque o lifting foi mal feito

A diferença entre um anúncio muito parvo e um anúncio muito inteligente

Anda por aí grande alarido por causa de um anúncio à Antena 1 em que se faz uma piada aos atrasos provocados pelas manifestações (o anúncio e as indignações aqui).
E o picante que rodeia o caso vê-se ampliado pelo facto de uma das vozes incluídas no spot ser de Eduarda Maio, a autora da biografia de Sócrates, O Menino de Ouro.
Pela parte que me toca, considero as reacções para o exagerado. Adequadas talvez à silly season mas um bocadinho nada precoces para o começo da Primavera. Após ter visionado o pomo da discórdia, concluí o seguinte:
1. O anúncio não é ofensivo, a piada é que é seca.
2. O pior de tudo ainda é a voz da Eduarda Maio, dentro daquele género piroso à Emissora Nacional.
3. Numa altura em que tanto se fala de salvar o Planeta (até o primeiro-ministro nos manda comprar painéis solares…), bem podiam ter arranjado outro tema que não fosse um urbano-dependente motorizado e parado no trânsito.
4. Finalmente, soube por acaso que o anúncio metia ao barulho o publicitário Pedro Bidarra, que, reconheço, é uma das minhas embirrações assumidas. E foi então que se fez Luz: dali só podia sair qualquer coisa armada aos cágados.
Dito isto, sirvo anúncio inteligente onde ninguém stressa com as horas e que, ainda por cima, é a favor dos comboios.

21/03/09

O Papa, a ética formal, a compaixão e as quecas fora do matrimónio

Adão e Eva, Michaelangelo
1. Bento XVI foi a Angola, onde repisou a nega ao preservativo. Até aqui nada de novo debaixo do Sol: sempre foi essa a posição oficial da Igreja católica.
2. Há já alguns anos, ainda a SIDA era uma criança, li uma frase de uma psicóloga francesa, salvo erro, que dizia assim: «se a SIDA se transmitisse pelos brócolos seria fácil exterminá-la, deixávamos todos de comer brócolos». Sabendo nós que não é assim, pia mais fino.
A SIDA vive ligada à sexualidade, essa coisa que, por muito que os puritanos estrebuchem, é bastante menos controlável do que os brócolos. A malta aprecia sentir uns orgasmos (pelo menos de vez em quando) e a maioria das mulheres ainda engravida segundo o velho método bíblico do conhecimento presencial.
3. As declarações de Bento indignaram muita gente. Não, naturalmente, pela sua novidade, mas, julgo eu, por terem sido proferidas num continente (e num país) onde a SIDA constitui um flagelo e dos valentes. Houve mesmo quem falasse em declarações criminosas.
4. Objectivamente, sabe-se que o uso do preservativo impede a transmissão da SIDA. Mas a prova que os humanos são muito menos racionais que o (meio) vulcaniano doutor Spock é que nem toda a gente pensa nisso no momento decisivo. E não é preciso ir a África: quem nunca correu esse risco que atire a primeira pedra.
5. Por outro lado, também objectivamente, sabe-se que a Igreja católica tem uma doutrina própria e orienta-se por uma série de princípios. Pode-se concordar ou não: felizmente que a Igreja já há muito deixou de ser um partido de filiação obrigatória.
Entre esses princípios está o entendimento da sexualidade como um exclusivo matrimonial. Antes do casamento não há brincadeiras para ninguém e, durante o casamento, a fidelidade faz parte das obrigações a que não se pode fugir. Assim sendo, é, pelo menos do ponto de vista lógico, absolutamente compreensível que face à SIDA o Papa não transgrida. Os princípios (dogmas) são isso mesmo: princípios (dogmas).
Se eu sou contra a pena de morte, devo ser contra a pena de morte – sempre. Mesmo que me tenham exterminado a família (ninguém disse que era fácil ter princípios, embora mais depressa perceba a justiça por mãos próprias que um Estado que mata em nome da Lei...).
6. Mas desçamos agora à terra. A prática dos humanos demonstra que a abstinência sexual antes do casamento, e a fidelidade absoluta durante o mesmo, é um mito. Os jovens há muito que trocaram o Romeu e Julieta pelas novelas da SIC e os casais encornam-se mais ou menos alegremente, para usar uma linguagem que toda a gente percebe.
Deveria, face a esta realidade, a Igreja rever o seu dogma? Bom, a ética, do meu ponto de vista, não é uma pragmática – não varia ao sabor das circunstâncias. E, assim sendo, entendo que Bento não ceda.
7. Apesar disso. Faz-me espécie que a regulação extrema da sexualidade faça parte dos dogmas católicos. Por outro lado, faz-me espécie que essa regulação seja tão pouco compassiva com os que não a cumprem.
Explico-me melhor: em que é que a fidelidade absoluta ou a abstinência pré-matrimonial contribuem para nos tornar melhores e aproximar-nos de Deus? (Julgo ser esse o objectivo geral da coisa apesar de não ter ido à catequese). E não será o valor da compaixão superior ao valor do matrimónio?
Ou seja, já que a santidade não é para todos, ou pelo menos não é para já (e abstenho-me de citar Santo Agostinho…), e dado que o não uso do preservativo aumenta exponencialmente a possibilidade de contrair uma doença mortal, não faria prova de compaixão (e agora falo eu: o único valor ético superlativo e o único que nos impede de sermos uns filhos de puta empedernidos) ceder ao uso do preservativo, evitando, nem que seja potencialmente, milhares e milhares de mortes?
8. Resumindo: a mim o que me parece é que se queremos discutir com a Igreja, não nos podemos limitar a indignar-nos com as declarações deste Papa, que são, aliás, fotocópia das do anterior. Teríamos de discutir, até ao fundo, a cultura de morte e desprazer que subjaz ao edifício católico. E aos seus dogmas. Tenho para mim que tudo o resto são argumentos que Bento, um teólogo formado nas melhores escolas, papa ao pequeno-almoço.

[só para acrescentar que este post tem a ver com esta polémica aqui e com este texto aqui]

Que se lixem o papa e as nossas senhoras/ a crise e os santos graais/ que se lixem os coxos e os ressabiados da alma/ dancemos! / chegou a primavera


Yves Montand, La Chansonnette


Yves Montand, À Paris

20/03/09

Ah! como a inteligência pode ser afrodisíaca mesmo quando o assunto é a crise


(...) o sistema capitalista exige uma permanente dinâmica de expansão para não cair. É um sistema parecido com a bicicleta, só que gigantesco. Hoje com 60 biliões de dólares de bens e serviços produzidos anualmente, para 6800 milhões de pessoas, estamos produzindo cerca de 8 mil dólares por pessoa e por ano. Isto significa quase três mil dólares por mês por família de quatro pessoas. Ou seja, com o que produzimos hoje, todos poderiam viver de maneira digna e confortável no planeta. O problema é que o sistema produz, mas não sabe distribuir. Daí a necessidade funcional de um outro equilíbrio entre o Estado, as empresas e a sociedade civil organizada. O planeta está implodindo com os absurdos consumistas de um lado, com os dramas sociais de outro. O Japão está saturado, o japonês poupa mais, porque também já não sabe onde colocar mais uma televisão, mais uma bicicleta ergonómica. (...)

(...) As empresas de auditoria, com todos os seus códigos de ética, eram consultoras de quem controlavam, uma mão lavando a outra, como no caso da Artur Andersen. Os governos que deveriam regular o sistema financeiro, são constituídos por pessoas eleitas com o dinheiro das corporações. Como pode existir um sistema de regulação e controlo quando os reguladores são, de alto a baixo do sistema, pagos por quem devem regular? O Greenspan é simpático, pois confessa as maldades, inclusive as razões da guerra com o Iraque. Só que confessa, lamentavelmente, depois. No Tesouro entrou um executivo da Goldman & Sachs. Tutti buona gente. Mas sem dúvida que a revogação do sistema de regulação financeira nos Estados Unidos, no final dos anos 1990, foi rigorosamente um ataque organizado contra a economia real, batalhado pelos grandes especuladores, e vale a pena ver como se deu a votação. (...)

(...) Temos uma economia mundializada, enquanto os instrumentos políticos são nacionais. Isto gera um imenso vazio de governança planetária, que permite não só a malandragem dos grandes grupos financeiros (inclusive com os seus criminosos paraísos fiscais), mas também os excessos das corporações do petróleo, das grandes empresas de intermediação de grãos ou de produção de gado que pressionam a desflorestação da Amazónia e de outras regiões, do oligopólio farmacêutico que se esqueceu completamente de servir a saúde das populações e assim por diante. De SIDA, já morreram 25 milhões de pessoas. De malária, morrem 2 milhões ao ano. Os oceanos estão tornando-se desertos, quando se trata da principal base de vida do planeta. Tudo isto não é crise? (...)

Excertos de uma entrevista com o economista Ladislau Dowbor, que pode ser integralmente lida aqui.

Sauvons les riches!

Parece que a simpatia é inversamente proporcional à riqueza: quanto mais ricos mais indelicados. O estudo, levado a cabo nos EUA, pela Universidade de Berkeley, junta-se a outras conclusões que não vêm facilitar a vida dos milionários. Por exemplo, que os pedidos de ajuda psicológica deste grupo tendem a subir em flecha. Com a crise, imagina-se que a coisa piore. E muito.
É neste contexto que surge em França o colectivo Sauvons les riches! E, porque os tempos são outros, a velha palavra de ordem “Os ricos que paguem a crise!” (completamente out) viu-se substituída por "Je suis riche, mais je me soigne" (absolutamente in).
A participação deste colectivo nas manifestações de ontem [1,2 milhões (dados da polícia) ou 3 milhões (dados dos organizadores) de franceses na rua] terá sido o pontapé de saída de uma campanha que visa, para já, salvar os ricos da depressão e as fortunas da bancarrota.
Ajudar os pobres está muito bem mas, como se escreve aqui, também não é justo que os ricos, abandonados à sua miséria, sofram em silêncio.
E, por falar em silêncio, deixo-vos com aquilo que poderia ser o hino do movimento.

19/03/09

Sobre contentores e outras miudências

Não vou jurar, mas talvez não volte ao assunto. Nem vou repetir os factos: 17 putos ciganos de fraco aproveitamento, entre os 9 e os 19 anos de idade, foram agrupados num monobloco colocado no recreio da Escola Básica 1 de Lagoa Negra, em Barqueiros, Barcelos.
A notícia surgiu e, talvez porque metia ― de novo! ― a iletrada Moreira, deu estrilho. Ao coro dos indignados (alguns, certamente hipócritas, e que viram na ocasião uma mera oportunidade para malhar na defensora do Sócrates), juntaram-se outros que desconfiaram da história. O problema era o contentor? Seriam mesmo só ciganos? Que mal tem uma turma especial quando a conversa da "escola inclusiva" parece mesmo só conversa?

Ora bem.
1. Quanto aos contentores, repito mais ou menos o que já escrevi num comentário deixado no post anterior:
Eu realmente não percebo a que ponto teremos chegado para que se ache normal dar aulas em contentores, mesmo que lhe chamem monoblocos e venham apetrechados. Uma coisa é uma situação provisória a que os putos até acharão graça, como a tudo o que é diferente. Outra é considerar que dar aulas em contentores, em situação prolongada, é admissível... porque nós também tivemos. A única explicação que encontro para isto é que, definitivamente, nos devemos ter habituado ao horrível. Recordo apenas, como disse antes, que a respeitabilidade das instituições passa pelo espaço e pelos seus equipamentos. O presidente da república não vive numa barraca e os tribunais não se alojam em vãos de escada. O espaço das escolas é um aspecto que foi absolutamente descurado, para finalmente chegarmos aqui em que contentores why not?
2. Turma de ciganos
A turma é de ciganos, de acordo com todas as notícias, e eu não vejo, mas talvez me expliquem, o que é que do ponto de vista escolar poderá justificar a sua separação por etnia, a não ser que falem romeno.
3. Escola inclusiva
A escola devia ser inclusiva (apesar do termo ser um pouco arrevesado). Mas ter uma escola inclusiva não significa, claro, distribuir os problemáticos por turma e disso resultar apenas que os problemáticos continuam problemáticos e os outros não aprendem nada com o desassossego.
Para resumir: os contentores repugnam-me; que a autoridade do Estado e das suas instituições não sirva para assegurar às crianças ciganas a escolaridade a que têm direito, recorrendo-se depois a estes expedientes mal-acondicionados, indigna-me (embora não estejamos em Itália). Justificar isto tudo com a inserção social e a discriminação positiva acho absolutamente delirante (aliás, a própria expressão "discriminação positiva" me parece delirante).
Não quero ser pessimista: mas algum daqueles miúdos, com ou sem ar-condicionado, gostará de ir à escola? E se gostar, vai aprender o quê? Ou não é para isso que a escola serve?

18/03/09

A ciganagem e tudo aquilo que já nos parece normal

Volto ao tema. Eu sabia que o assunto não era líquido. Mesmo expurgado das tricas partidárias que, realmente, não me interessam.
Factos: uns miúdos ciganos que, ao que parece, vêm mostrando alguma relutância em frequentar a escola, foram colocados, separadamente, num contentor e nele têm aulas exclusivas.
A bondade da solução foi defendida publicamente por Margarida Moreira que justificou o contentor (ou monobloco), e a diferenciação correlativa, como medida de discriminação positiva e de inclusão social.
Enquadramento: escusando-nos ao politicamente correcto, teremos de reconhecer que os ciganos não são lá muito bem vistos.
Só dois exemplos: aqui há uns tempos houve uma bronca das valentes que implicou a Mercedes, com o concessionário C. Santos a desaconselhar, em documento interno, a venda da marca aos ciganos. E também há uns tempos, um pouco mais recuados, em 1996, houve outra bronca das valentes, que meteu o então governador civil de Braga, Pedro Bacelar de Vasconcelos, que saiu em defesa dos ciganos que a população de Oleiros pretendia correr de lá.
Equipamentos: sublinho ainda que essa coisa dos contentores (mesmo que luxuosamente apetrechados e hermeneuticamente interpretados) não será com certeza a melhor forma de dignificar as escolas. Ninguém me disse, mas desconfio que a mania dos pré-fabricados abarracados que durante muito tempo dominou a paisagem escolar (quando, após o 25 de Abril, o número de estudantes, felizmente, aumentou em flecha), alguma coisa terá que ver com o declínio da respeitabilidade da mesma.
A discriminação positiva: claro que não há nada mais injusto do que tratar como igual aquilo que é diferente. Mas há direitos básicos. E o da educação é com certeza um deles. Neste aspecto, com o nomadismo das populações ciganas a descer consideravelmente, interrogo-me sobre as especificidades dessa comunidade que tenham implicações em matéria de educação.
Não falam português? Têm feriados à Quarta? Lêem da esquerda para a direita? Usam a numeração romana?
Será, no caso concreto, o grupo do contentor formado por alunos mais velhos que merecem um tratamento diferente. Sem dúvida. Mas o único tratamento diferente que ocorre é enfiá-los todos juntos dentro de um monobloco e fé em deus? Alguém acredita que, do ponto de vista escolar, e do ponto de vista da inserção social, isso contribua – realmente – para alguma coisa objectivamente positiva?
Pergunto-me: que raio de escola é esta, e que raio de sociedade é esta, que acha normal segregar alunos pela sua origem? Porque, deixemo-nos de tretas, é disso que se trata (ou não haverá na região mais nenhum aluno crescido para juntar ao grupo?), mesmo apondo-lhe o chavão magnânimo da discriminação positiva.
É que a mim, mas se calhar sou eu, a discriminação tout court cheira-me sempre a queimado.

17/03/09

Que discriminem positivamente a Margarida Moreira e a metam num contentor a aprender português são os meus votos

A polémica sobre os alunos ciganos alojados em contentor próprio, trouxe de novo à liça a inenarrável Margarida Moreira. Independentemente das tricas partidárias que envolvam o assunto, o que me encanitou nesta história foi a conversa da discriminação positiva e da integração social. Fala Margarida Moreira da especificidade do grupo e de que seriam alunos que tinham fugido à escola.
Pergunto eu: mas, nesse caso, não seria mais eficaz aplicar-lhes uns triângulos castanhos para não repetirem a graça?

16/03/09

A cabeça entre as mãos porque isto de rir sempre também cansa ou então até logo


Eles só estavam interessados em puxar-lhe os cabelos. Não queriam fazer-lhe mal. Arrancaram-lhe a cabeça à primeira. Com certeza estava mal presa. Não costumam sair assim. Com certeza faltava-lhe qualquer coisa.
Quando já não está assente nos ombros é um estorvo. Devemos oferecê-la. Mas é preciso lavá-la, pois suja a mão de quem a recebe. É preciso lavá-la. Porque aquele que a recebe, com as mãos já cobertas de sangue, começa a suspeitar e começa a olhar como se esperasse informações.
― Pois claro! Tinham-na encontrado enquanto jardinavam... Tinham-na encontrado no meio de outras... Tinham-na escolhido porque parecia a mais fresca. Mas se ele quisesse trocá-la... podia dar-se um jeito. Até ver, ficasse com aquela...
E afastam-se, seguidos por um olhar que não diz sim nem não, um olhar fixo.
E se fôssemos ver ao pé do lago? Num lago encontram-se imensas coisas. Talvez um afogado resolvesse o caso.
Num lago imaginamos sempre que vai encontrar-se aquilo que queremos. Mas voltamos depressa, e voltamos de mãos a abanar.
Onde encontrar cabeças prontas para serem oferecidas? Onde é que podemos encontrá-las sem haver muitas complicações à mistura?
― Eu cá tenho o meu primo-direito. Pode muito bem dizer-se que eu e ele temos a mesma cabeça. E ninguém vai acreditar que a encontrei por acaso.
― Eu cá... tenho o meu amigo Pierre. Mas não é de força a deixar que lha tirem só assim.
― Pois claro! Veremos. A outra foi muito fácil de arrancar.
E com esta se afastam, obcecados pela sua ideia, e chegam à casa do Pierre. Deixam cair um lenço. O Pierre abaixa-se. Como se quisessem levantá-lo puxam-lhe os cabelos para trás, muito risonhos. E a cabeça sai, arrancada.
A mulher de Pierre entra, furiosa: ― «Olhem-me para esta bagunça! Voltou a entornar o vinho! Nem sequer chega a bebê-lo. Há-de entorná-lo sempre no chão. O tipo nem sequer sabe levantar-se...»
E lá vai ela à procura de qualquer coisa para limpar. Agarram-na então pelos cabelos. O corpo cai para a frente. A cabeça fica-lhes na mão. Um cabeça furiosa que baloiça, com cabelos compridos.
Aparece um grande cão a ladrar com toda a força. Dão-lhe um pontapé e cai-lhe a cabeça.
Agora têm três. Três é um bom número. Além do mais, permite escolher. Não são, de facto, cabeças iguais. Nada disso: um homem, uma mulher, um cão.
Voltam para junto daquele que já tem uma cabeça, e encontram-no à espera.
Põem-lhe o monte de cabeças no colo. E ele põe a cabeça do homem à esquerda, ao pé da primeira cabeça, do outro lado a cabeça do cão, e a cabeça da mulher, e os seus cabelos compridos. Depois espera.
E fica a olhar para eles com um olhar fixo, um olhar que não diz sim nem não.
― Oh! Aquelas? Tinham-nas encontrado em casa de um amigo. Estavam lá em casa... Não interessa saber quem as levou para lá. Não havia mais nenhuma. Apanharam as que havia. Da próxima vez a coisa havia de correr-lhes melhor. Mesmo assim já era sorte. Cabeças não são o que falta, felizmente. De qualquer coisa já era tarde. Encontrás-las no escuro. O tempo que levam a limpar, sobretudo as que estiverem na lama. Vão tentar, enfim... Seja como for, nós dois não podemos trazer sozinhos uma carroça cheia. Claro que não... Mas vamos... De há bocado para cá talvez tenham caído mais algumas. Ver-se-á...
E afastam-se, seguidos por um olhar que não diz sim nem não, seguidos por um olhar fixo.
― Oh! Eu cá, bem sabes... Não! Olha! Tira-me a cabeça a mim. Aparece-lhe com ela e verás que não a reconhece. Nem sequer olha. Dizes-lhe assim: ― «Toma lá, quando saí tropecei nisto. Ao que parece, é uma cabeça. Trouxe-a para te dar. E por hoje basta, não é verdade...?»
― Mas eu só te tenho a ti, meu velho!
― Vamos, vamos, nada de sentimentalismos. Tira-ma. Vá, puxa, puxa com força, com mais força, então que é isso!
― Não. Bem vês que não sai. É o nosso castigo. Vá, experimenta tu com a minha, puxa, puxa.
Mas as cabeças não saem. Boas cabeças de assassino.
Já não sabem o que fazer e tornam a partir seguidos pelo olhar que espera, um olhar fixo.
Acabam por desaparecer na noite, o que lhes traz grande alívio; a eles, à sua consciência. No dia seguinte partirão ao acaso numa direcção qualquer, enquanto puderem. Vão ver se conseguem viver uma vida decente. É muito difícil. Mas vão tentar. Vão tentar nunca mais pensar em nada disto, viver como dantes, como toda a gente...
A Extracção das Cabeças, in Um Certo Plume, Henri Michaux, tradução de Luís Matos da Costa, Hiena Editora, 1992

15/03/09

A poem a day keeps the doctor away

Nada é o que permaneceu: nada, o arrojado epíteto
Que pronunciei pela noite tantas vezes até ser transportado
Para um escuro sono, ou o sono que continha um sonho.

Nisto havia uma enorme ausência contagiosa,
Mais espaço do que espaço, sobre a nuvem e o lodo,
Definidos apenas pela sua excessiva oscilação.

Despojado até à indiferença nas curvas do tempo,
Cujo fim eu conhecia, acordei sem um desejo,
E saudei o zero como um paradigma.

Mas agora despedaça-se: as imagens surgem incendiadas
Na calma esfera onde tenho vivido,
Regulando a paisagem ainda intacta:

O poder que imaginava, que presidia
Supremo a devastações abstractas,
É apenas uma mudança; os átomos que o dividiam

Completam, sem o saber, novas combinações.
Apenas descubro uma infinita finitude
Naquelas variações belas e estranhas.

É o desespero de que o nada possa existir
A cintilar no espírito e a deixar uma marca fumegante
De temor.
Olhem para cima. Nem presa nem liberta,

Uma questão inútil paira nas trevas.

A Destruição do Nada, in A Destruição do Nada e outros poemas, Thom Gunn, tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Relógio D'Água, 1993

13/03/09

Em memória do João Mesquita que bem merece

Dois directores de jornais de referência, o José Manuel Fernandes e o Henrique Monteiro, Público e Expresso, respectivamente, acabam de fazer o elogio fúnebre do João Mesquita.
Zé Manel Fernandes começa o seu o texto assim:
Quanto a Henrique Monteiro abre assim:
Não vou perder tempo a sublinhar as preocupções de distanciamento ideológico presentes nos dois textos. Também não vou perder tempo com as evocações de amizade. Nem sequer com os encómios ao carácter. Vou só lembrar isto.
Zé Manel Fernandes e Henrique Monteiro são ambos directores de jornais. O jornalista João Mesquita estava desempregado desde 2003. E é tudo.

12/03/09

Minha Cabeça estremece com todo o esquecimento

Soube através de um post no 5 Dias que o João Mesquita tinha morrido. Não via o João Mesquita desde finais de Setembro, e antes disso estive muitos anos sem vê-lo. De vez em quando cruzava-me com alguém que tinha estado com ele, e eu invariavelmente rematava a conversa com um “gosto tanto do Mesquita!” Não me perguntem porquê.
Para mim, o João Mesquita faz parte de um tempo antigo, anterior ao 25 de Abril, em que éramos ambos estudantes e estudantes do MAEESL e eu por vezes dormia na sonora de Ciências. Já então gostava dele. Continuei assim anos fora e acho que na verdade consigo explicar porquê.
Dão-me sempre vontade de rir as classificações de A ou B, porque vindo daqui ou de acolá, politicamente falando. É verdade que a extrema-esquerda, opinião e experiência minhas, possuía um superavit sobre a oposição do costume, que lhe viria provavelmente da sua juventude e daquilo a que então se chamava “falta de consciência de classe”. Mas mesmo na extrema-esquerda nem todos andavam ao mesmo (como se comprova pelos cargos de poder ocupados hoje por tantos…).
João Mesquita sempre me pareceu daqueles a quem o poder não dá cócegas. Seria por isso que gostava dele, enquanto com outros partilhava apenas a barricada sem lhes dedicar grande afecto, um conceito que na altura, aliás, não era para ali chamado.
Vai parecer estúpido, e é estúpido com certeza, mas o que recordo mais do João é o seu tique de esfregar o nariz e o bigode passeando depois a mão pelo franja do cabelo muito escuro e muito liso, um gesto que vá-se lá saber sempre associei a origens proletárias, até que muito mais tarde soube que era filho de juiz.
Também me lembro da voz – “Camaradas!” – a perna apoiada numa cadeira e o corpo magro inclinado para a frente, discursando em reuniões de que ninguém já se lembrará bem dos temas, para aí entre a preparação de uma greve e as lições do Enver Hodja.
Eu gostava do Mesquita. Teso. Teimoso. Secretamente apaixonado pela namorada do chefe, franzino no meio dos tipos do Passos Manuel que jogavam basketball e faziam uns três dele.
Depois foi jornalista, chegou a presidente do Sindicato e outras coisas importantes. Acabou por se incompatibilizar com o poder, como lhe estaria nos genes. Morreu hoje. Tinha um nome até pomposo: João Bernardo Bigotte da Costa de Mesquita. Para mim será sempre o João Mesquita do Passos.

Às três é de vez (ah pois é!)

Não sou muito dada a deixar-me ir em correntes. Mas esta, além de meter livros, objectos pelos quais sinto um especial apreço, já chegou ao triplicado. Primeiro foi a Cristina Gomes da Silva. Depois foi o João Tunes. E por fim o José Mário Silva.
Além de me parecer falta de educação não responder às pessoas, a coisa lembrou-me um episódio antigo, que passo a contar antes de citar a quinta linha da página 161 do livro que tenho à mão, que foi o que me pediram.

Em tempos que já lá vão trabalhei com crianças numa colónia de férias. O grupo era heterógeneo e a minha preferida chamava-se Melanie. Também me lembro de Pascale, uma menina problemática que por vezes me fazia mandar o Rousseau às urtigas.
Um dia criei um jogo: cada criança inventava um bocadinho de uma história, cuja continuação era assegurada pela seguinte e pela seguinte… até chegarmos ao fim ou nos apetecer outra coisa.
Fomos parar à história do Lobo Mau. Alguém contou aquela parte em que o caçador mata o lobo e se prepara para retirar cá para fora a avó e o Capuchinho Vermelho.
Pascale continuou: o caçador, quando tirou o Capuchinho e a avó da barriga, já não as pôde salvar porque o Lobo, que era muito esperto, antes de engoli-las as cortara aos bocadinhos tão, tão pequeninos, que quase já nem se viam.
Melanie, que era a seguir, não se intimidou com tão pouco: o Capuchinho e a avó estavam aos bocadinhos mas o caçador, que era ainda mais esperto do que o Lobo e tinha uns olhos muito fortes, trazia um grande rolo de fita-cola no saco e colou-as muito bem coladinhas, tão bem coladinhas que nunca mais se descolaram e viveram felizes para sempre.
E acho que foi sobretudo por me ter lembrado dela que aceitei ir na corrente.

Agora a citação, e faço três, uma para cada um, dos três livros mais à mão (com a batota de nas duas primeiras ter ido à quarta linha buscar o princípio da frase…).
Encontrei Françoise sentada na cama, a ler a Florinha a Marie-Noel. (Daphne du Maurier, O Outro Eu)
O velho Kunz dava agora uma saltada a Cole Porter e divertia-se a baratinar «I’ve got you under my skin.» (Nuno Bragança, A Noite e o Riso)
– Não está a ajudar muito, pois não? (Rex Stout, O Cadáver que não se Calou)

E pronto.

10/03/09

Macacos me mordam se percebi alguma coisa do mistério Casanova*

De qualquer modo, tomates teve o Rimbaud quando aos 20 anos abdicou da poesia e a trocou pelo comércio (soi-disant).
* A propósito disto e disto.

09/03/09

O gang de Al Capone em Olhão [que é para depois não dizerem que eu invento]

Captain Manuel Zora, contrabandista de rum ao serviço de Al Capone, acerca do qual escrevi aqui, e que tem um livro publicado nos EUA sobre a sua pessoa chamado The Sea Fox; The Adventures of Cape Cod’s most colorfull rumrunner.

08/03/09

Nuno Bragança - obra completa

Morreu novo. Aos 56 anos. Nascido em Lisboa, em 1929, no passado dia 12 de Fevereiro teria festejado o seu octogésimo aniversário. Como Elliot Templeton, impedido de comparecer, nem por isso a Dom Quixote deixou de celebrar a data: publicou em volume único as suas obras completas. São 736 páginas que reúnem A Noite e o Riso, romance de 1969, Directa, romance de 1977, Square Tolstoi, romance de 1981, Estação, contos de 1984, Do Fim do Mundo, novela, primeira edição póstuma de 1990, e A Morte da Perdiz, peça de teatro radiofónico gravada (entre amigos) em 1956.
Hoje será difícil imaginar (ou talvez não), mas isto que transcrevo de seguida, retirado de A Noite e o Riso, foi uma pedrada no charco. Literário e restante.

Era uma vez duas e um quarto da manhã à porta do dancing ‘O Canário’. Pela Cidade ia conspiração, de luz acesa e janela aberta, tudo euforia de civis de civismo e baixas patentes descomandáveis. E eu vinha duma sessão dessa música. Horas longas de tabaco e copos de água inúteis, que me traziam ensopado em fúrias lentas. Por isso, a finais de reunião, entrara pensando ‘O Canário’ com intensidades de arrastar comigo um subversor muito alto e magro. 
Ele suava nome, Sancho. E porque era enorme e quase famigerado avançou adiante. (…) 
Fui sentar-me, grupo descortinado num recanto, e perguntei dez coisas para meter no meio delas ‘Onde pára a Zana?’. ‘Olhe-a’, disse um rapaz pintor. 
Havia mesmo ao pé da nossa mesa um par em dança lenta, e era ela. Nunca eu viria a saber qual homem segurava tal mulher. Dois segundos depois de a ter olhado viu-me, e sorriu-me em contraponto. 
Estou sentado num dancing e tenho a mão. Ainda em volta de uma bebida de pressão de ar. 
Às vezes, acontece num sítio destes e em hora assim que o pecado original se derreteu num shaker, acabando-se a mortalidade infantil e a Polícia. Sinto essa harmonia. 
Por cima dos ombros cansados, como um xaile da leveza dum suspiro de gato. Pelas luzes das mesas e fumo nos olhos trotam as mais certeiras notas de piano. Ando a treinar-me para conspirador e até deixei um Sancho no bengaleiro. Permitam-me, porém: que arregace outro género de mangas e talvez a minha noite não morra sem uma pitada de seriedade

É excerto longo, mas está lá tudo: as imagens surrializantes, a história pessoal transfigurada, o erotismo e a política, a grande oficina da linguagem.
Escritor de culto que os anos foram lançando no esquecimento, praticamente desconhecido das gerações mais novas, passa por ele uma corrente que reúne nomes como Almada Negreiros, Mário-Henrique Leiria, Dinis Machado ou Maria Velho da Costa (para citar apenas autores em que a escrita se torna ela própria matéria - problemática). Bebe na grande literatura norte-americana dos anos 40 e 50 e não recusa as experiências de distanciamento à “nouveau roman” europeu: uma combinação cuja originalidade se vê acrescida pelo facto de a autobiografia de Nuno Bragança se casar de modo indissolúvel com a sua obra.
Num cenário dominado pela tristeza vil e apagada, para citar O'Neill, quando publicado, A Noite e o Riso funcionaria como uma lufada de ar fresco, um tónico contraditor de um país que vive então do arroto de passadas glórias, para citar Jorge de Sena. Mas não só. 
A Noite e o Noite surgiria também a contra-corrente do neo-realismo, explodindo expurgado de obsessão ideológica e heroicidade ficcional, mais próximo da nova poesia do que do velho romance.
Directa e Square Tolstoi, publicados já no pós-25 de Abril, confirmam o escritor. 
O primeiro (escrito ainda sob o marcelismo) é o primeiro grande livro de ficção a surgir nesse período em que tantos provaram nada ter, afinal, escondido na gaveta. Chega antecedido de despudorada confidência feita em nota introdutória: Talvez encontre um dia a forma de fazer o que por ora não consigo: exprimir um grande espanto meta-histórico
Em Square Tolstoi mantêm-se as preocupações de estilo e estrutura. Ele narra:, assim começa um texto que não recusa o experimentalismo, mesmo se trespassado pela nostalgia do romance enquanto arte total (a de Tolstoi…).
Interrompida pela morte do autor, é-nos impossível saber que caminhos seguiria a obra de Nuno Bragança. A que deixou, porém, basta para que o consideremos um dos nomes mais marcantes da nossa modernidade literária.

05/03/09

Fátima Lopes veste a Nossa Senhora e põe-lhe umas coisas na cabeça

A amiga do peito de Manuel de Pinho lá foi de novo a Paris, levada pelo Portugal Fashion. Não vos vou maçar com o que eu penso sobre o facto de, entre todos os criadores portugueses, ser ela a escolhida para desfilar là-bas. Vou apenas deixar-vos com o resumo da colecção.
E cito.
O 21º desfile de Fátima Lopes é uma resposta à crise, pois transborda de beleza e positivismo. Vestida por Fátima Lopes, Nossa Senhora é divina, exuberante, feminina e muito moderna. Desfilando sobre densas nuvens brancas, traz-nos uma colecção em três tons: o preto elegância, o vermelho sangue e o branco pureza.
As formas são esculturais. Obras de arte nos mais nobres materiais e numa infinidade de texturas: seda, rendas, cabedal, camurça, puras lãs e cachemira.
As malas e os saltos dos sapatos são tamanho XXL.
A música, criada a propósito, inspira o majestoso espectáculo.
O que vale a este país é que todos os dias há uma anedota nova!

A lex nokia, o factor humano e a dona fernanda dos correios

Quando, a 11 de Setembro de 2001, dois aviões comerciais se lançaram contra o World Trade Center, a forma como os EUA se mostraram vulneráveis a ataques terroristas pareceu inacreditável. Claro que a tecnologia esteve envolvida no caso, mas não será necessário ser o Agente 86 para perceber que o contou ali, sobretudo, foi o factor humano: uns tipos que não se importaram de morrer atirando-se contra as Torres.
Vem isto a propósito da nova lei finlandesa, dita contra a espionagem industrial, que visa permitir às empresas e ao Estado o acesso a e-mails privados. Apesar dos desmentidos, na Finlândia garante-se que a Nokia está por detrás da nova legislação, que já foi baptizada Lex Nokia.
Bom, sobre isto, a única coisa que quero dizer é o seguinte: a próxima vez que tiver fórmulas secretas para vender ao inimigo (por um bom preço, naturalmente...) não o farei via e-mail nem sequer por telemóvel, seja de que marca for. Escusam de se dar ao trabalho. Vou antes ali aos Correios e enfio uma carta no marco. Ou então entrego-a à dona Fernanda, que é uma senhora muito simpática que lá trabalha e que me pergunta sempre como vai e a família.

04/03/09

Crise: onde há Laurinda Alves há esperança

«Entre as notícias dramáticas de acidentes, mais os despedimentos, mais a radiografia diariamente revista e ampliada da crise, houve uma pequena reportagem na televisão esta semana que me prendeu a atenção. Trata-se de uma iniciativa inédita entre nós: grupos de coveiros em cursos de formação para aprenderem novos gestos, outras maneiras e uma atitude mais adequada às funções dos funcionários cemiteriais. (...) É bom saber que existe esta nova classe de funcionários cemiteriais e que estes homens investem na sua profissão, actualizando métodos e conhecimentos. A única estatística infalível é a da morte e, por isso, estes são os raros profissionais que escapam à crise. Assim sendo, importa perceber que gostam do que fazem e até apostam em fazê-lo melhor. Boas notícias, portanto».*
Roubado aqui.
* Laurinda, continuas assim acabas assistente do Manuel de Pinho

03/03/09

Com mais ou menos patine, do estilo puro e duro de pato bravo à West Coast, o país real começa e acaba sempre por um negócio de cabritos

Quando, em 2006, Carolina Salgado lançou o Eu, Carolina houve quem visse no livro uma arma apontada ao coração do machismo e na própria um exemplo de coragem para as «mulheres seviciadas». Eu, confesso, não vi ali nada disso.
Como se comprovaria, aliás, com essa espécie de filme chamado Corrupção, nem o Pinto da Costa era o Robert De Niro nem Carolina Salgado a pobre da Sharon Stone (e já estou a falar agora do Casino de Scorsese).
O tempo passou. Devagarinho, para o Apito Dourado. Mas hoje houve desenvolvimentos: à saída do Tribunal de Gaia, um grupo de populares ― segundo a notícia maioritariamente mulheres e eu acredito ― juntou-se para apupar Carolina. Uma delas deu-lhe um estalo.
Notícia puxa notícia, não fora esta cena edificante e ter-me-iam escapado as recentes declarações de Avelino Ferreira Torres, também ele ligado ao mundo dos futebóis e também ele a ser julgado: o início deste processo começou com um negócio de cabritos.
E, assim, entre cabritos e alterne mais a patine Courbet, lá vamos assistindo ao glam da Europe’s West Coast .