31/01/08

Mas que raio de amigos são esses?

«Depois de ter publicado este livro, alguns amigos — embaixadores e presidentes de grandes empresas — confidenciaram-me que não haviam voltado a ler Cesário desde a adolescência e alguns até me declararam não saber quem ele era», Maria Filomena Mónica, lida aqui.
NOTA: Eu disse que ia dar música na Pastelaria porque não tinha pedalada para isto. Lá chegarei. Por enquanto, estou na fase do roubo descarado.

Portugueses teimam em adoecer. E não se pode exterminá-los?

«São as reformas da Saúde, sim senhor, que se encontram adiadas, pelo menos até ao fim da presente legislatura. O mais grave de tudo isto é que, apesar do muito que Campos conseguiu fazer para, racionalizando o SNS, preservá-lo e melhorá-lo, as despesas do Estado com a saúde nunca pararam de aumentar nestes últimos anos. [...] Daqui, lido aqui.

29/01/08

Não tenho pedalada para isto. Nos próximos dias é só música e já vão com sorte [com 2 acrescentos que «isto» anda mesmo, mesmo acelerado]

Não sei se é do jogging viril do primeiro-ministro se do abaixamento para 5% do IVA dos ginásios mas que este país acelerou, acelerou.
Uma pessoa distrai-se e, num ápice,
correm a pontapé com uma vintena de ilegais, aos quais de nada serviu terem encalhado na Culatra, ilha onde são todos emigrantes, já foram ou pelo menos o pai. A medida de repatriamento portuguesa não passou, porém, de uma operação singela quando comparada com a enérgétique proposta de Nicolas Sarkozy, essa sim, capaz de pôr em sentido todos os chicos-espertos demasiado tisnados: mostrem lá o ADN e provem que têm familiares em França (e pergunto eu: será que os neocolonialistas do petróleo têm avós enterrados nos poços?).
O ADN não é tudo. Em Agosto passado, em Argenteuil, o presidente da câmara (também do UMP) já fora assaz criativo: nada de varrer misérias para debaixo da carpete. Assim, mandou
pulverizar os locais onde se reuniam os sem-abrigo da cidade com um desinfectante nauseabundo e só interrompeu a medida porque os trabalhadores camarários se recusaram ao serviço e houve quem tivesse o bom senso de recordar outras limpezas.
A propósito de tisnados. Não pude deixar de reparar nos traços tão pouco arianos do novo
suspeito encontrado pelos McCann, o que levou o Senhor Comentador a comentar, com claríssima clarividência, que «se esse homem é inocente, eu sou a Cicciolina. Não pode ter uma cara mais culpável. Se não sequestrou a Maddie com certeza é culpado de outros crimes hediondos». Pela parte que me toca, tive de concluir que os argumentistas do casal andam a perder qualidades.
De volta à política caseira, continua a saga do encerramento do país pelo (agora ex) ministro da saúde. Neste particular, foi curiosa a reacção do
nosso Primeiro, ainda antes de ser conhecida a causa clínica da morte do bebé da Anadia, indignado com o que chamou um aproveitamento mesquinho e oportunista do caso, em declarações de cavo fundo humanista.
Vá lá saber-se porquê, ao vê-lo esganiçar tanto a voz, veio-me à cabeça o fácies daqueles condutores que, culpados de um acidente, saltam das viaturas aos berros e de peito aberto ao mundo. (No caso posterior, protagonizado pelo INEM e por duas cooperações de bombeiros,
o acidente já tinha acontecido; a dificuldade parecia estar em que alguém se fizesse à estrada.)
[PRIMEIRO ACRESCENTO: os aviões, esses, terão mesmo cruzado o céu azul de Lisboa...]
Mais coisas. Recente foi a prescrição de um dos 23 crimes de que foi acusada Fátima Felgueiras, facto que li em resumo apropriamente titulado «
Começaram os Milagres de Fátima». Faltam 22.
Quanto ao julgamento
Casa Pia, a coisa continua a correr... com calma, meu, com calma.
E ainda. Assim que me lembre, as declarações do Bastonário da Ordem dos Advogados que já explicou que não é bufo nem polícia. A
bra-se mais um inquérito, abra-se! Pim!
O nosso Primeiro, fazendo jus ao apelido, declarou a propósito: “Eu não sei nada sobre o que ele pretendia dizer”, frase cuja profundidade socrática não é preciso ter um curso incompleto de filosofia para perceber. Será Marinho, Sebastião? O país está em suspenso.
Outra notícia, para acabar com a saga nacional. Um inquérito trouxe a público conclusões extraordinárias: os professores são a profissão em que os portugueses mais confiam e os políticos as criaturas que mais apupos lhes merecem.
A nível mundial os resultados não diferem muito.
E assim vai o mundo. Sem fitas mas com algumas remodelações [E ISTO É OUTRO ACRESCENTO]
Deprimido com o post?
Anime-se. Podia ser bem pior. Podia, por exemplo, acontecer-lhe como ao ex-chanceler social-democrata alemão Helmut Schmidt, 89 anos, fumador, e à sua mulher Loki, 88, fumadora, que tiveram de esperar até tão provecta idade para serem
denunciados à polícia por uma organização de vigilância e pressão de não-fumadores .
É por isto que eu digo sempre: antes aldrabão que fascista. E vive la Suisse Libre!

27/01/08

Se isto não é humor do melhor que venha a ASAE e me feche a Pastelaria

As citações de Woody Allen que se seguem foram retiradas de A Filosofia Segundo Woody Allen, ed. por Mark T. Conard e Acon J. Skoble, Estrela Polar, 2008.
Só pelo capítulo A Ratoeira: Ler Woody Allen, assinado por James M. Wallace, vale a pena ler o livro.

«Estou atormentado por dúvidas. E se é tudo uma ilusão e nada existe? Nesse caso, de certeza que paguei demais pelo meu tapete.»
«Ele saiu do hotel e subiu a Oitava Avenida. Dois homens estavam a assaltar uma senhora idosa. Meus Deus, pensou Weinstein, já lá vai o tempo em que uma só pessoa dava conta do recado. Que cidade. Caos por todo o lado. Kant tinha razão. A mente impõe a ordem. Também nos diz quando devemos dar gorjeta. Como é maravilhoso estar consciente! Pergunto-me o que farão as pessoas de New Jersey.»
«Na sua condição de filósofos, eles confiavam bastante na lógica e achavam que, se a vida existia, alguém devia tê-la causado, e foram à procura de um homem moreno com uma tatuagem que estava a usar um casaco da Marinha.
Quando nada resultou daí, abandonaram a Filosofia e dedicaram-se ao negócio da venda postal, mas o preço dos portes subiu e eles morreram.»
«DORIS: Mas, sem Deus, o mundo não tem significado. A vida não tem significado. Nós não temos significado. (Pausa dramática) Tenho uma vontade súbita e avassaladora de ir para a cama com alguém.»
«Estas "partículas" [átomos ou mónadas] foram postas em movimento por alguma causa ou princípio subjacente, ou talvez alguma coisa tenha caído de algum sítio. O que interessa é que agora é demasiado tarde para fazer alguma coisa a esse respeito, excepto, talvez, comer bastante peixe cru. Claro que isso não explica por que razão a alma é imortal. Nem diz nada acerca da vida após a morte, ou sobre o meu Tio Sender ter a sensação de que está a ser seguido por albaneses.»
«Ora, então, para conhecermos uma substância ou ideia temos de duvidar dela, e assim, duvidando dela, alcançarmos a percepção das qualidades que possui no seu estado finito, que estão verdadeiramente "na coisa em si", ou que são "da coisa em si", ou de algo ou de nada. Se isto estiver claro, podemos deixar de lado a epistemologia, por agora.»

26/01/08

Por hoje acabaram-se as bolas de berlim na Pastelaria

If you are reading this then this warning is for you.
Every word you read of this useless fine print is another second of your life.
Don’t you have other things to do?
Is your life so empty that you honestly can’t think of a better way to spend these moments?
Or are you so impressed with authority that you give respect and credence to all who claim it?
Do you read everything you’re supposed to read?
Do you think everything you’re supposed to think?
Buy what you’re told you should want?
Get out of your apartment.
Meet a member of the opposite sex.
Stop the excessive shopping and masturbation.
Quit your job.
Start a fight.
Prove you’re alive.
If you don’t claim your humanity you will become a statistic.
You have been warned… Tyler

25/01/08

O Post mais feminino que coloquei até hoje Primeiro foi a Maria Eduarda, depois foram os Procol Harum: estou a envelhecer e não há Cícero que me valhe

A combinação disto com isto resultou em mais uns quantos cabelos brancos. Nada que umas madeixas não resolvam. Quanto ao Cícero, se alguém estiver interessado, deixo o link aqui (em francês) e, para os realmente desesperados, acolá, em latim.

24/01/08

O Post mais canibalesco que coloquei até hoje, em memória dos medíocres que andam a tomar conta disto: que não repousem em paz

SE ENSINASSE ESCRITA CRIATIVA, PERGUNTOU-ME, O QUE LHES DIRIA?

diria para terem um desgosto amoroso,
hemorróidas, dentes podres
beberem vinho barato,
evitar a ópera e o golfe e o xadrez,
mudarem a cabeceira da cama
de parede para parede
e depois diria para terem
outro desgosto amoroso
e para nunca usarem computador
portátil,
evitarem almoços em família
ou serem fotografados num jardim
com flores;

para lerem Hemingway só uma vez,
passarem por Faulkner
ignorarem Gogol
verem fotografias da Getrude Steine lerem Sherwood Anderson na cama
enquanto comem bolachas de água e sal,
perceberem que as pessoas que falam de
liberdade sexual têm mais medo do que vocês.

para ouvirem E. Power Biggs a tocar
órgão na rádio enquanto enrolam
um Bull Durham às escuras
numa cidade desconhecida
com um dia para pagar a renda
depois de abandonar
amigos, família e trabalho.

para nunca se considerarem superiores e/ou justos
e nunca o tentarem ser.
para terem outro desgosto amoroso.
observarem uma mosca no verão.
nunca tentar ter sucesso.
nunca jogar bilhar.

para se mostrarem verdadeiramente furiosos
quando descobrirem que têm um pneu furado.
tomarem vitaminas mas nunca fazer exercício físico.
depois disto tudo
inverter o processo.
ter um bom caso amoroso.
e aprender
que não há nada nem ninguém a saber tudo –
nem o Estado, nem os ratos
nem a mangueira do jardim nem a Estrela Polar.
e se algum dia me apanharem
a dar uma aula de escrita criativa
e lerem isto
eu dou-vos um 20
pelo cu
acima.
Charles Bukowski

Acho que percebo o sentido disto mas desconfio que não me favorece [com ligeira alteração]

Foi quando o eléctrico parou no semafóro, paralelo ao edifício cor de rosa de canto, que a coisa me saltou à vista como um coelho aos pulos na cartola da infância.
Explico: várias páginas de revista, em cada uma um rosto de mulher que mal distingo, forram - a espaços - as janelas do primeiro andar com varanda. À distância da minha ligeira mas não ligeiríssima míopia parecem-me os cabelos antiquados, a condizer com o nome queiroziano a todo o comprimento da fachada que dá para a rua principal onde o eléctrico continua parado, à espera: Cabeleireiro Maria Eduarda.
(O que me chama a atenção é estar estranhamente Maria Eduarda lá em cima, no primeiro piso, na direcção do qual já em movimento rodo a cabeça, e não no rés-do-chão escancarado à rua.)
Com o sol prestes a desaparecer na curva, lembro-me de mim criança e das tardes passadas nos (agora) desaparecidos gineceus, onde me levavam tias velhas e primas casadoiras, eu brincando com rolos grossos, peludos e ásperos, elas dedicando-se a mises e ripados e permanentes e bananas, tudo regado a uma chuva de laca que se desfazia em gotículas até chegar a casa e depois escrever sobre isto de estar Maria Eduarda lá em cima (que deve querer dizer ainda alguma coisa). As tias mortas.

23/01/08

Decisão do Ministério Público põe o «centro governamental de comando e controlo dos media» em alvoroço. Despedimentos na calha?

Arquivado o Inquérito n.º 28/07.0TELSB relativo à queixa intentada pelo cidadão José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa e primeiro ministro enquanto tal contra António Balbino Caldeira, Do Portugal Profundo.
«O motivo da "queixa do cidadão José Sócrates e primeiro-ministro enquanto tal", que finalmente posso revelar, foi a minha referência ao "centro governamental de comando e controlo dos media" no post "Rasganço domingueiro" em 7-4-2007 (e à "força de encobrimento e contra-informação do centro de comando e controlo do Gabinete do Primeiro-Ministro" no post "Páscoa da Cidadania", ainda de 7-4-2007) e a questão do MBA curso/grau.»
Ler aqui.

Pensamento Analógico ou de como o mundo tem mesmo muito que se lhe diga

Comentario de Milú, a propósito disto, que preguiçosamente e com vénia transformei em post.



Longas divagações caricatas com pouca substância e umas “raspas” de realidade
Vamos supor que a imigração galega para o Minho tinha continuado depois do século XIX, quando chegou a ser de alguns milhares, e que, 100 anos depois, os galegos representavam 70 por cento da população da província minhota.
Segue-se um período de turbulência na Ibéria, com Bascos e Catalães a alcançarem a independência, com apoio directo da França e da Itália, e indirecto da Alemanha e do Reino Unido (por causa de Gilbraltar).
Os galegos não são muçulmanos como os kosovares albaneses, mas querem a independência do que passam a chamar Galiza Sul, com fronteiras no rio Minho e no Douro. Para realizarem o velho sonho da Grande Galíza/Grande Albânia, conseguem o apoio da NATO, que bombardeia a nossa querida província (e Lisboa/Belgrado) e dá cobertura à limpeza étnica de 30 % da população portuguesa/sérvia que ainda lá vivia.
A independência da Galiza Sul está por um fio e os portugueses perdem Braga (símbolo religioso da sua identidade) e Guimarães (símbolo da conquista militar do seu território e berço da Nação). D. Afonso Henriques dá voltas e espuma de raiva no túmulo em Coimbra… se este não for o dele, dará noutro.
Mais: como os Galegos/Albaneses representam 20% da população das Astúrias/Macedónia exigem um aprofundamento dos direitos autonómicos que já têm e vêem a independência da Galiza Asturiana/Albanesa Macedónia ao virar da esquina. E desta vez, talvez nem seja preciso a NATO.
Ora, os 500 mil Galegos/Albaneses que vivem no norte da província de Castela y Leon/Grécia também querem juntar-se aos seus e já estão de “espada desembainhada”, com a retaguarda bem protegida.
Afinal, parece que o sonho de Enver Hoxa de criar a Grande Albânia – o Farol da Humanidade – é viável e está prestes a tornar-se realidade. E talvez ela ainda venha a ser maior e mais forte do que o Hoxa esperava, pois está numa região charneira para os eixos euro-árabe e euro-africano e pode vir a ter um poder muito superior aos dos seus vizinhos numa zona hiper-conturbada.
Isto é uma ficção de muito baixo gabarito, mas enquanto a escrevia estava a tentar perceber um pouco melhor o que se passa naquele quintal que fica logo a seguir ao da Itália. Confesso que o nevoeiro da incompreensão ainda ficou mais denso.
Só duas pequenas notas: os muçulmanos albaneses integraram-se entusiasticamente nas fileiras nazis; até pode parecer que não gosto das gentes daquelas bandas. Não é verdade: sou fã de Nero Wolf, montenegrino.

20/01/08

Parece que o mundo tem mesmo outras preocupações além das relacionadas com os cigarros e o fitness

O candidato ultranacionalista de direita Tomislav Nikolic foi o vencedor da primeira volta das eleições na Sérvia, com 39,4% dos votos contra 35,4% do moderado Boris Tadic. Em Fevereiro é o tira-teimas.
Até lá, a pobre da Eslovénia há-de continuar com o dossier escaldante do Kosovo no regaço. E para se ficar a perceber um pouco mais do assunto, enquanto fumamos ou não fumamos um cigarro, porque não clicar aqui?

18/01/08

Desculpem lá o post ser tão grande mas há tipos que têm uma cara mesmo boa para levar um par de estalos


Deixem-me que vos fale com franqueza. Afinal, a Pastelaria é minha. O Tony Blair tem cara de parvo. Tinha cara de parvo anglicano, tem cara de parvo católico. Claro que a presente constatação está longe de justificar que se impeça o Santo Papa de dizer de sua justiça – nem que fosse para garantir que «a terra girar em torno do sol é tão falso como não ter Jesus nascido de uma virgem». Não significa isto que esteja prestes a converter-me, tipo Zita Seabra ou assim. Acho, simplesmente, que as pessoas têm direito a enunciar o que pensam. Eu, por exemplo, penso que o Tony Blair tem cara de parvo.
Na minha opinião, o elemento que mais transforma o seu rosto naquilo a que o meu pai chamaria «uma cara mesmo boa para levar um par de estalos» é a boca. Enrugadinha, amuada, uma boca que em bom vernáculo se chama «de cu de galinha». Ao orifício oral acrescenta-se a forma petulante do nariz. As orelhas são um pouco dumbescas e entre os olhos falta espaço de manobra. (Não vou pronunciar-me agora sobre Cherie, cuja quadradura do queixo denunciará uma «forte personalidade» e cujo sorriso arrebitado nas extermidades lembra uma versão adelgaçada do Joker.) Eu sei que é do senso comum apregoar que «quem vê caras não vê corações», mas também sei onde nos conduziu o senso comum pós-moderno fazendo equivaler ignorância e conhecimento. E mais não digo.
Falava, então, de Tony Blair. Longe de mim ter pretensões a que a minha visão da sua fisionomia seja algo tão verdadeiro como o facto de o Sol nascer diariamente – pelo menos até hoje à tarde, acrescentaria Hume. Mas olhemos mais de perto. O homem responsável pelo seguidismo pavloviano dos Europeus em relação a Bush e à sua criminosa invenção das armas de destruição massiva no Iraque (já agora, o que fazer com o Kosovo?) desocupou à pressa o 10 Downing Street londrino mas não foi para o countryside escrever Mémoires [apesar de, como lembrou
NSL em pertinente comentário a este post (o que deu origem ao acrescento), as suas memórias não terem sido esquecidas – e soma e segue].
Nomeado imediatamente para dirigir o Quarteto de Cordas (Estados Unidos, Rússia, Nações Unidas e União Europeia) que, em digressão pelo Médio Oriente, andou a dar música aos palestinianos e aos israelitas (recorde-se que a coisa por lá mantém-se desafinadíssima), seria convidado depois para assessor político do banco norte-americano JP Morgan, por um valor, especula-se, de 1 milhão de dólares ao ano.
Ao jornal Financial Times, Blair já tinha confessado, com candura, que sempre se interessara «pelo comércio e pelo impacto da globalização», acrescentando que «actualmente a intersecção entre a política e a economia em diferentes partes do mundo, inclusive nos mercados emergentes, é muito forte», com o «actualmente» a demonstrar que nunca lera Karl Marx.
Com a vida a correr-lhe tão bem que a única explicação só pode ser encontrada nas palavras do apóstolo Marcos: «O reino de Deus é como quando um homem lança uma semente ao solo, dorme a noite, levanta-se de dia e a semente brota e cresce alta e ele não sabe exatamente como» – ou isso, ou há tipos que nascem mesmo com o cu virado para a Lua –, pois já depois do convite milionário do JP Morgan – que com certeza por acaso é líder de um consórsio de 13 bancos de 13 países prontos a ganhar
MUITO dinheiro com a famigerada reconstrução do Iraque – entra em cena o «energético» Sarkozy.
Enquanto dá a palavra a Tony na reunião do Conselho Nacional do UMP que juntou em Paris cerca de 2 500 quadros do partido no poder em França (com a pronúncia do escocês a fazer Mário Soares corar de vergonha), o mais recente apaixonado de Bruni, metendo os socialistas europeus no saco como a viola, cozinha a candidatura do escocês a Presidente da União Europeia, um dos novos tachos consignados pelo Tratado de Lisboa, aquele de que o nosso Sócrates tanto se orgulhou antes de passar a batata quente do Kosovo à Eslovénia.
Agora digam-me. O homem terá cara de parvo, mas de parvo tem o quê? Nada. Se calhar é mesmo da Graça divina que, como se sabe, é misteriosa.
Para finalizar, dois vídeos. Um do próprio a dizer piadas brejeiras em francês (e ainda falavam do Levanta-te e Ri!). O outro de Julio Sosa a cantar Cambalache. À laia de consolo musical para o século XXI.

17/01/08

Mais coisas recomendáveis, neste caso divertidas e em versão post-it

Oasis Penalty ShootoutEntry Ticket
Tudo picado aqui

Coisas recomendáveis, para variar, ao contrário do Tony Blair que não vem agora a propósito mas do qual hei-de falar noutro post

«(...) Não digas à mamã. Foi o mantra das nossas infâncias, ou um deles. Não digas à mamã. Isto dito pela Midge, especialmente, mas também por qualquer dos mais velhos. Se se partia ou entornava alguma coisa, se a Bea não vinha dormir a casa ou Mossie ia viver para o sotão, ou Liam deixava cair ácido, ou Alice tinha relações sexuais, ou Kitty sujava de sangue o uniforme da escola, ou quaisquer mensagens telefónicas acerca de atrasos, engarrafamentos, problemas com o dinheiro do autocarro ou do táxi, e uma vez, catastroficamente, a noite passada por Liam na prisão. Nenhuma das mensagens era transmitida: a conferência sussurada no vestíbulo, Não digas à mamã, porque a «mamã poderia» - o quê? - expirar? A «mamã» ia ficar preocupada. O que não me parecia nada mal. Afinal era produto seu, esta família. Todos tinham saído - individual e dolorosamente - dela. E o meu pai dizia-o mais que qualquer outro de nós, galante: Não há necessidade de dizer à vossa mãe agora, como se a realidade da cama dele fosse toda a realidade que se deveria pedir àquela mulher que suportasse», p.14
Corpo Presente, Anne Enright, Gradiva, Dez. 2007

15/01/08

Os Chicos Espertos e o Tratado de Lisboa

A diferença entre o Tratado Constitucional e o Tratado de Lisboa é como quando se tem um filho chamado Francisco no registo civil a quem tratamos por Chico em casa, José Medeiros Ferreira. Lido aqui

13/01/08

Sigamos o exemplo do grande timoneiro José Sócrates: Let's Get Physical


Este vídeo foi a melhor forma que encontrei para mostrar como estou de acordo com as prioridades do governo: ginástica para o povo, fumadores para a rua (literalmente) e o Tratado de Lisboa por conta dos eurocratas, aparentemente os únicos cidadãos com um grau de QI suficiente para o perceberem.

12/01/08

Preguiçando ao Sul


Esta é para ti, Francisco, mesmo não gostando tu do Fernandel.
Letra:
Au bal du petit Ajaccio/ On ne dans pas le mambo/ Ni le bee-bop, ni la biguine/ Mais un vrais tango d'origine // Le tango Corse, c'est un tango conditionné/ Le tango Corse, c'est de la sieste organisée/ On se déplace pour être sur qu'on ne dort pas/ On se prélasse, le tango Corse c'est comme ça! // Quand Dominique est fatigué/ De voir les autres travailler/ Il se donne un peu de repos/ Juste le temps d'un petit tango. // Le tango Corse, c'est un tango conditionné/ Le tango Corse, c'est l'avant goût de l'oreiller/ Le Dominique se croit déjà en pyjama/ C'est magnifique, le tango Corse c'est comme ça. // Un jour des musiciens du nord/ On joué trop vite et trop fort/ Un vrai tango de salarié! / On ne les a jamais retrouvés! // Le tango Corse, c'est un tango sélectionné / Le tango Corse, pour les courageux fatigués / Chacun s'étire en même temps que l'accordéon / Et l'on soupire, le tango Corse que c'est bon! // Quand a bout de forces / On va s'étendre une heure ou deux / Le tango Corse, c'est encore là /Qu'on le danse le mieux!

11/01/08

A Política já não é o que era

Ontem, depois de entrar na Brasileira do Chiado onde pude tomar uma bica e fumar um cigarro sem ser olhada como se tivesse lepra, e depois de assistir à belíssima adaptação para cinema do belíssimo romance de Ian McEwan, Expiação (no qual se fuma do princípio ao fim enquanto a vida corre com carácter de urgência) ocorreu-me que a mudança dos tempos se poderia resumir nisto.
Durante décadas houve quem agitasse, para o bem e para o mal, a bandeira do Proletários de todo o mundo, uni-vos!
Hoje em dia a coisa resumir-se-ia a Fumadores de todo o mundo, uni-vos!
Quero eu dizer: um admirável mundo novo mas indiscutivelmente mais pobre em sonhos. Acabaram-se os proletários, qualquer dia acabam-se os fumadores e depois virá outra coisa. Mas este intervalo é particularmente maçador.

10/01/08

4 postites de uma vez e em forma de telegrama (não sei se «postites» vem no Acordo Ortográfico mas deve vir)

1. INVOCANDO O NOME DE DEUS EM VÃO
José Sócrates recusa referendo ao Tratado de Lisboa por uma questão de ética da responsabilidade.
Lido aqui.
Paulo Pedroso explicou que foi por “um imperativo ético” que decidiu apresentar uma acção cível contra o Estado português
Foi ensaiado ou é a ética que está na moda?
2. THAT'S ENTERTAINMENT!
Representatives of Madeleine McCann's family have spoken to an entertainment and media company about turning the story of her disappearance into a film. Clarence Mitchell, the spokesman for Gerry and Kate McCann, said the meeting with IMG before Christmas was positive, but that no deal had yet been signed. Lido
aqui.
Foda-se! (ultimamente ando a dizer muitas asneiras como se poderá confirmar de novo no post seguinte; peço desculpa)
3. DECIDAM-SE PORRA!
A Agência Europeia de Medicamentos (EMEA) e o conjunto das agências nacionais da União Europeia alertaram para o “risco de ideias suicidas ou tentativas de suicídio” surgidos durante tratamentos com o medicamento Champix prescrito para deixar de fumar.
4. PERGUNTA DE 20 VALORES
Para que ninguém fique com a sensação que o Governo é mesquinho e quer ficar com o dinheiro seja de quem for, na primeira oportunidade pagará o aumento de Dezembro aos reformados (...), assegurou José Sócrates ontem na Assembleia da República.
A minha pergunta singela é:
Quando será a primeira oportunidade?
A pergunta de 20 valores, com intróito, é:
Não sei se ficou claro para todos: são 68 cêntimos por mês que o governo vai pagar aos reformados para não lhes entregar, em Janeiro, o aumento a que têm direito relativo a Dezembro. O secretário de Estado explicou na SIC essa sua tendência para a generosidade: «Não seria aceitável que os pensionistas recebessem um valor de pensão qualquer em Janeiro e no mês seguinte o valor do seu recibo de pensão era menor, diminuía.» Não seria nada aceitável. Está na cara. E quanto a juros, qual é o banco em que o governo tem conta? Lida aqui.

09/01/08

Quem me dera um royal flush!

Os casinos vão ter um regime mais favorável no que diz respeito à aplicação da lei do tabaco. Pelo que tenho lido e ouvido, os portugueses mostram-se indignados com a excepção, incluindo os fumadores. Pois bem. Eu não.
Percebo que fundamentalistas anti-tabaco (ou de qualquer outra coisa) se indignem. Não percebo que pessoas razoáveis idem aspas.
Em vez de se raciocinar assim:
Eles que fumem nos casinos! ou, Ao menos fuma-se nos casinos! (dependendo, respectivamente, do desprazer ou prazer que cada um tem ao inalar nicotina);
Raciocina-se assado:
É proibido, é proibido! ou, Se eu não posso fumar, eles também não! (dependendo, respectivamente, de se ser mais autoritário ou invejoso).
Nenhuma das hipóteses é estimável.
Sinal dos tempos – e de uma preocupção higienista singular que tem antecedentes em leis tão tenebrosas como as do apuramento da raça ariana propostas pelo III Reich e aplicações tão actuais, presume-se, como a de Sócrates baixar o IVA dos ginásios de 21 para 5% – a proibição do fumo terá vindo para ficar.
Seria demagógico, apesar de muito, muito tentador (pelo que não resisto) lembrar que destas seis figuras, Churchill, Roosevelt, Estaline, Hitler, Mussolini e Franco, só precisamente as três últimas eram não-fumadores, mas até eu que fumadora me confesso sei reconhecer quando um argumento não tem pernas para andar (além de que o Estaline me estraga bastante o painel).
Assim, o único argumento que me ocorre contra leis proibitivas é o que remete para a sua eficácia (e eis-me rendida ao pragmatismo):
Se a SIDA (para me ater a uma patologia tendencialmente mortífera) fosse provocada pela ingestão de bróculos ou de couves de bruxelas, fácil seria exterminá-la. Proibiam-se os bróculos, interditavam-se as couves e era remédio santo. O problema é que a SIDA também se transmite pelo sexo e o sexo está associado ao prazer. E o prazer bem que podem proibi-lo...
Não estou com isto a insinuar (a soldo que qualquer Tabaqueira) que os fumadores têm orgasmos sucessivos cada vez que dão uma passa, até porque não sou freudiana. Estou simplesmente a dizer que têm prazer ao fumar.
Esclareço, para depois não me virem chamar selvagem, que sou daquelas que às vezes agradece o cartão vermelho (será por motivos egoístas: fumo menos). E das que não tem por hábito soprar glamourosamente para cima dos comensais da mesa ao lado. Na praia uso um cone, certificado ou improvisado, ou guardo as beatas no saco. Nos quartos não entram cigarros e até já considerei abandonar o tabaco por causa do maldito cheiro (cá em casa mais depressa se morrerá de uma pneunomia provocada pelas correntes de ar do que do fumo). Mas a verdade é que, e agora cito, «um governo que punisse todos os vícios de maneira imparcial é segundo toda a evidência de tal maneira impossível que nunca se viu, nem verá, uma pessoa tão estúpida que o propusesse».
O texto foi picado ao Café dos Loucos, vem assinado por Lysander Spooner (os vícios não são crime, fenda, 1999) e continua: «O máximo que se pode propor é que o governo puna um vicio ao acaso, ou quando muito alguns, ou aqueles que considera repugnantes. Mas trata-se de uma discriminação totalmente absurda, ilógica e tirânica. Que direito pode ter seja que grupo de homens a dizer: "nós puniremos os vícios dos outros homens mas ninguém punirá os nossos próprios vícios (...)».
Dir-lhe-ia, se fosse vivo, caríssimo Lysander Spooner, que a mim os que me assustam realmente são os que não têm vício nenhum. Que também os há. Como o homem do bigodinho do painel de ainda há bocado.

[... vieram-me nesmo agora dizer que o Primeiro-Ministro decidiu que o Tratado Europeu não iria a referendo («um dos grandes defeitos da Democracia é os resultados»). Vou contar até 10, fumar um cigarro e recolher ao leito. Boa noite!]

08/01/08

Os Chupistas ou Porque não se Calam? — Parte II

A ouvi-los, Luiz Pacheco teria ganho o prémio de maior escritor português do século XX. Se os seus livros valessem acções, seria uma corrida à Bolsa.
O que me irrita em toda esta história não é o Pacheco, é o país. Pacheco, como o próprio reconheceu em vida, foi sobretudo um perdigueiro de afiadíssimo faro para as coisas da literatura. Como editor publicou só os melhores. Como autor arriscava o desassombro. É fácil compreender como isso seria raro (e inaudito) num país cujo quadro clínico oscilava entre o bolor salazarento e a catequese PCP mais os fãs do André Breton, não em revolução permanente, antes em cisões contínuas. Leia-se O Libertino Passeia por Braga, escrito nos anos 60, e imagine-se o que seria... Braga ainda hoje o que é.
Dito isto, quanto ao resto viveu quase sempre mal, ou mesmo miseravelmente, porque para aí o empurraram a vida e os genes com que aterrou no mundo.
Pacheco era ele próprio: aldrabão, sobrevivente, desenrasca, preguiçoso e talentoso. Na velhice, viveu de glórias esfumadas que não chegaram para lhe evitar o asilo. Num país merdoso e cinzento como uma tarde de chuva, eterna e da miudinha, Pacheco peidava-se em público e todos os Jojos deliravam, lançava um pró caralho e instalava-se a catarse. Era a excentricidade zoológica que se visita numa jaula. Alinhava no jogo e jogava-o com primor. Se queria. Quando o convidaram para escrever no Público, ele próprio conta, fizeram-no farejando sangue: não lhes deu sangue e o folclore perdeu interesse. Suponho que se sentisse só. Foi um desperdício de talento, mas também para isso é preciso algum.
Que saltem agora uns cangalheiros empantufados a endeusar o «maldito» dizendo que eram amigos dele (numa contradição dos termos: os malditos não têm amigos, como bem lhes poderia explicar Baptista Bastos que em tempos escreveu: «Luiz Pacheco é meu amigo mas eu não acredito no diabo»), comparando-o — oh momento de originalidade olímpica! — com o Borges, porque também ele escrevia textos curtos (assim se provando como o size matter, até nas letras...), ou recordando como sempre o admiraram quando nem uma fralda para a incontinência lhe forneceram em vida, é de vómito. É Portugal (de plástico que é mais barato) no seu melhor.
O Pacheco de que eu mais gosto é o da história do táxi. Se a memória não me engana, contou-a o Mário Soares que um dia se cruzou com ele, teso, naturalmente, e lhe cedeu 20 paus. O Pacheco apanhou um táxi e, como logo o taxista o avisou que troco não havia, ali mesmo lhe ofereceu a fresca nota, na altura bem choruda.
E eu, que nunca sequer fui adepta do morto em vida, acho que só este episódio bastava para meter no chinelo os autores de tanto encómio.
Bardamerda! – dir-lhes-ia Luiz Pacheco. E o mesmo lhes digo eu, que nem sou de escrever asneiras.
A miséria tem muito encanto vista le coeur bien au chaud. E parece que ele deixou muitas cartas...

07/01/08

Porque não se calam?

«Luiz Pacheco é um dos escritores mais importantes do século XX português, um dos grandes estilistas da literatura portuguesa. Ele é o nosso Jorge Luís Borges, porque, não tendo nada a ver, à partida, com o escritor argentino, escrevendo também sempre textos curtos, escrevendo prosa normalmente com não mais de cinco páginas, dez páginas, marcou as nossas letras», Rui Zink
«Era uma personalidade que poderíamos considerar excêntrica, que sempre que abria a boca nunca se sabia o que ia dizer, mas era um ser humano único (...) Sinto a morte de Luiz Pacheco de uma forma muito profunda, já que o considerava um amigo pessoal e é quase como se o conhecesse intimamente», João Pedro George
«Sempre admirei muito em Luiz Pacheco o seu espírito de irreverência, a liberdade crítica, a capacidade de destruir corrosivamente as convenções, quase sempre mortas já. [...] Era um espírito que, naquela atmosfera passiva, adormecida, dos anos 50, 60 e ainda 70, trouxe, por vezes com excessos de linguagem, uma lufada de ar novo. Era dos espíritos mais irreverentes deste país», Vítor Aguiar e Silva
E até eu, que não punha no Olimpo o falecido, consigo perceber a treta destes encómios que chegam em bicos de pés. Em alternativa, leia-se aqui.
Ou o próprio: «não há mais filosofia do que esta: deixar andar, tanto faz, hoje ou amanhã morremos todos, daqui a cem anos que importância tem isto, quem se lembrará de nós? quem se lembrará de mim?», Luiz Pacheco, Carta a Fátima

06/01/08

Isto de Estar Vivo ainda um Dia Acaba Mal

Não vou embandeirar em arco: conheci o Luiz Pacheco em Setúbal e não gostei nada do homem; a verdade é que escreveu alguns textos de antologia. Libertário e leitor afiadíssimo, de há uns anos a esta parte prontificava-se a fazer de escritor maldito e usava a irreverência para entreter o pagode. O pagode, burgesmente instalado mas incapaz de resistir à caralhada e à má língua, delirava. A última vez que o ouvi citado foi a propósito de uma dessas entrevistas. Quando a jornalista chegou, o Pacheco, astuto, foi avisando: «Se pensas que vens para a última, desengana-te. Já muitos vieram pensando o mesmo e eu continuo cá». Morreu ontem. O Manuel da Fonseca bem avisara: «Isto de estar vivo ainda um dia acaba mal». Que descanse em paz.

04/01/08

Gente Singular*

Juro que não ia falar de tabaco. Nem sequer para prestar solidariedade ao presidente da ASAE, apanhado a fumar no Casino do Estoril depois da entrada em vigor da lei que proíbe o fumo, a qual será fiscalizada pelo próprio organismo a que preside António Nunes. Sobre o acontecido, e já que voltei ao tema, só quero dizer o seguinte: antes aldrabão que fascista! (A propósito de casino, recordo que nem os norte-americanos, pioneiros da luta antitabágica, se lembraram de proibir o fumo aqui).
Como resistir, porém, a esta matéria pícara vinda directamente do Sul? (Relembro que o Sul é aquela direcção que
Pedro Bidarra nunca saberia apontar por muito xerém que comesse). Transcrevo:
Um auto «foi levantado no Algarve, terça-feira, pouco antes de almoço, quando o proprietário de um café da Fuzeta, concelho de Olhão, chamou a GNR para autuar um cliente que se recusava a apagar o cigarro. Chegada a patrulha, o prevaricador e seus cigarros já tinham partido e o dono do café não conseguiu identificá-lo para posterior autuação. Contudo, os militares da GNR acabaram por multar o dono do estabelecimento, porque não tinha colado os obrigatórios dísticos de proibição de fumar. "Se ainda estivesse no café, o próprio fumador poderia sempre ter alegado que não sabia se era proibido ou não fumar, porque nada o indicava naquela casa", enfatizou à Lusa uma fonte da GNR».
Pela parte que me toca, fico feliz: multou-se o bufo, ilibou-se o fumador. Este saiu à francesa, àquele saiu-lhe a coima e como prémio de consolação uma praga da Fuseta. Por exemplo:
«Deus permita que venhas a morrer afogado numa pia de água benta!»
* Título roubado a um conto de Manuel Teixeira Gomes, escritor algarvio e Presidente da República entre 1923 e 1925, tendo resignado ao cargo.

03/01/08

Do Fumo à Dúvida Teológica

Este post poderia começar apropriadamente, citando Cesário Verde:
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente

Não seria verdade. Não cheguei a tanto. Ainda assim, e porque o que me irrita não é o combate ao fumo mas a prepotência irracional da lei recém-higienista — as leis proto-higienistas levavam a assinatura de um partido chamado Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei à frente do qual estava um senhor de bigodinho que não comia carne, não fumava, e quanto ao resto só sei o que dizem as más línguas — é com prazer que relato a seguinte cena.
Passando eu ontem no Edifício São Francisco de Sales, para onde em tão má hora se trasladou o semanário Expresso, e faço um interregno para descrever o primeiramente referido:
Trata-se de um edifício de tipo inteligente construído em vidro, material que, como se sabe, é o que mais se adequa ao nosso clima frio, onde as janelas não se mexem nem para trás nem para a frente nem para os lados, como nos hotéis a partir do terceiro andar não vá algum hóspede suicidar-se antes de pagar a conta, espaço organizado em open space, de per si uma coisa bestialmente moderna que no início gerava um burburinho ensurdecedor paulatinamente substituído depois por um silêncio de repartição porque como a malta vê estas coisas nos filmes americanos em que há aquelas redacções fantásticas que decidem o futuro dos presidentes mas depois esquece-se da parte da insonorização, quem trabalha em open space à portuguesa acaba por ter de calar o bico e pronto.
Dizia eu. O edifício é espaçoso, dando para alojar uma série de títulos e serviços além do Expresso. Quando se entra, há um átrio bem capaz de meter no chinelo muito centro comercial da periferia (com um café e uma cantina ao fundo).
Olhando para cima, o céu é o limite. O edifício organiza-se pelas laterais, com os andares dispostos em torno do núcleo central, vazio, cada um deles rematado por um passadiço com varandim onde desembocam os elevadores, e onde até dia 31 de Dezembro vinham também desembocar os fumadores.
Pois passando lá eu ontem, como estava a dizer, descortinei ao longe um friso humano e friorento de umas 10, 15 pessoas à porta, do lado de fora, todas, curiosamente, com um cigarro na mão. Apesar de visíveis até da estrada, exibiam sem excepção um look clandestino, naturalmente inapropriado até porque tudo isto se passava em plena luz do dia. Chegada ao segundo andar, e comentando o estranho comité de recepção em que tropeçara à entrada, fui informada que Francisco Pinto Balsemão, o próprio, ao abeirar-se do seu edifício pela manhã e confrontado com espectáculo semelhante comentara: «Mas que disparate vem a ser este?!» e depois acrescentou: «No meu gabinete podem fumar!».
Frase de circunstância ou não, confesso que me falou ao sentimento. Dei por mim a aplaudir de pé: Ah! Grande Balsemão! Empolgada, informei ir fumar eu própria um cigarro ao agora imaculado passadiço. O que fiz. E eis que já não era eu, mas sim a própria Dolores, La Pasionaria!
Depois deste longo desabafo, que alguns terão tido a paciência de ler até aqui, confesso que o que eu queria mesmo dizer se resume a isto: «Vivre Est Dangereux Pour la Santé». Transformar o simples acto de fumar num gesto de desobediência civil, só prova o grau de autismo a que chegou este velho continente, a rebentar de si próprio pelas costuras.
E só antes de me ir embora, uma dúvida que me ocorreu aqui há dias, para justificar o título do post:
Qual o pecado maior? Um padre celibatário fumar um cigarro às escondidas no escurinho do confessionário ou render-se ao apelo das hormonas enquanto lê Teresa D'Ávila?
Duas informações úteis mesmo para finalizar:
Parece que no restaurante Stop, a Campo de Ourique, continua-se a poder fumar.
Parece que um atestado médico passado por um psiquiatra permite puxar do cigarro sem sermos tomados por gangsters. E se os fumadores portugueses enlouquecessem de vez? Antes isso do que encher os bolsos à indústria farmacêutica que anda por aí tão diligente a querer tratar-nos da saúde.

01/01/08

Em 2008 Fumamos como Perdidos ou Emigramos para Madrid Rendidos à Graciosa Irrespetuosidad que Es Característica del Madrileño. Cesariny Teria Gostado

eu em 1951 apanhando (discretamente) uma beata (valiosa) / num café da baixa por ser incapaz coitados deles / de escrever os meus versos sem realizar de facto / neles, e à volta sua, a minha própria unidade / — Fumar, quere-se dizer // esta, que não é brilhante, é que ninguém esperava ver num livro de / versos. Pois é verdade. Denota a minha essencial falta de higiene / (não de tabaco) e uma ausência de escrúpulo (não de dinheiro) / notável. // o Armando, que escreve à minha frente / o seu dele poema, fuma também // fumamos como perdidos escrevemos perdidamente / e nenhuma posição no mundo (me parece) é mais alta / mais espantosa e violenta incompatível e reconfortável / do que esta de nada dar pelo tabaco dos outros / (excepto coisas como vergonha, naturalmente, / e mortalhas) // que se saiba esta é a primeira vez / que um poeta escreve tão baixo (ao nível das priscas dos outros) / aqui e em parte mais nenhuma é que cintila o tal condicionamento / de que há tanto se fala e se dispõe / discretamente (como que as apanha.) // sirva tudo de lição aos presentes e futuros / nas taménidas (várias) da poesia local. / Antes andar por aí relativamente farto / antes para tabaco que para cesariny / (mário) de vasconcelos
Manual de Prestidigitação, Mário Cesariny, Assírio & Alvim